As ondas de choque da última sondagem sobre as intenções de voto dos portugueses, a popularidade dos seus líderes políticos, a aceitação do seu governo e a confiança nas possibilidades da oposição, não deveriam ter-se dissipado tão depressa. Porque revelaram a descrença da maioria da população nos atuais governantes e ao mesmo tempo a limitada confiança que depositam nos que se lhe opõem, mostrando a necessidade de se fazer alguma coisa que altere este panorama. O Partido Socialista, mesmo falando agora num tom um pouco mais elevado, revela-se incapaz de promover uma política de alianças coerente e de se libertar dos rostos de cera produzidos e reproduzidos nos anéis concêntricos do seu próprio aparelho. O Partido Comunista mistura-se com os mais carenciados e empenha-se na luta contra o governo, mas hostiliza em idêntica medida os socialistas, por vezes até os bloquistas, impedindo à partida uma alternativa de governabilidade clara, consistente e agregadora. E o Bloco de Esquerda, apesar de ser dos três o partido mais aberto a uma solução partilhada, tem gasto precioso tempo e a escassa disponibilidade dos seus quadros em debates internos e espaços de reflexão legítimos mas cuja oportunidade é contestável.
Na realidade, nenhum dos três partidos se tem empenhado verdadeiramente, dia após dia, com passos certos e calendarizados, e não apenas com declarações de intenção, naquilo que a maioria dos portugueses naturalmente deseja: a preparação consistente e incansável, forçosamente lenta e por isso de lançar sem tempo a perder, de uma plataforma de entendimento político comum à esquerda. Uma plataforma capaz de arquitetar um futuro plausível, de definir um programa básico de gestão da coisa pública, de identificar as medidas para o dia seguinte, de mobilizar os cidadãos para pôr a direita no seu lugar, controlando os danos que esta provocou e dando aos portugueses a oportunidade de reerguer a cabeça. Enquanto paira sobre nós a nuvem negra do esbulho de direitos e de futuro, pesa muito sair à rua, dia após dia, sem a esperança de uma causa sustentada, plural e mobilizadora que com clareza indique um norte, mostrando sem meias-palavras o que esperar e pelo que combater. Por isso é prioritária uma solução democrática construída num processo conjunto, no qual as inevitáveis diferenças, passando para segundo plano, não se sobreponham a uma colaboração tão necessária quanto imprescindível.