Uma das consequências mais dramáticas da atual crise monetária é o reforço da clivagem, mais circunstancial que histórica, mais artificial que natural, entre os países do norte e os do sul da Europa, simplisticamente traduzida no afastamento daqueles que podem emprestar dos outros que apenas devem sem poder pagar. Esta separação é estimulada por dirigentes políticos e fazedores de opinião dos países do Norte, associados em regra à direita, e confirmada por outros do Sul, subservientes em relação aos primeiros, como acontece com a dupla Passos/Gaspar e a sua legião de humanas caixas de ressonância. Ou então pelos que, do lado da esquerda, lhes contrapõem a miragem de um rápido retorno aos bons tempos do Estado-Providência. O pior desta situação é que estas posições têm forte eco nas respetivas sociedades, gerando um estado de animosidade popular que instala uma perigosa incompreensão e demarca de forma violenta as duas partes do continente.
Os do norte olham então para baixo, para aqueles que pouco trabalham, não conseguem governar-se sozinhos e só sabem gastar; ao mesmo tempo, os do sul olham para cima como para terras de gente arrogante, hostil, e que tem como constante propósito humilhá-los e empobrecê-los até à quinta geração. Tal é o alastramento da tensão e da incompreensão que até Durão Barroso, um dos mais baços políticos europeus, se viu obrigado a criticar os preconceitos que estão a emergir do lado de cima do continente, afirmando que aqueles que por ali pensam serem «preguiçosos» os povos do sul estão enganados. Uma vez que, como com algum mau-gosto procurou exemplificar, «os portugueses são extremamente trabalhadores».
Nestas condições, continuar a falar de uma Europa unida, solidária e com uma estratégia partilhada de desenvolvimento parece estar para além da utopia, situando-se mais no domínio do delírio. Nada parece hoje apontar para essa possibilidade, quando ainda há cerca de uma década ela parecia a consequência inevitável de um processo de aproximação em termos de bem-estar e de crescimento. Confrontados com a extensão das desigualdades e da desconfiança, os euroentusiastas parecem ter agora desaparecido dos órgãos centrais de decisão, cabendo o papel de imaginar o retorno à ideia de uma Europa solidária e equilibrada aos devaneios de uns quantos intelectuais distantes das áreas nas quais se contam as espingardas e tomam as decisões. O papel decisivo partirá no entanto dos movimentos de cidadãos, os únicos em condições de unir aquilo que a indecisão e o calculismo dos seus dirigentes separou. Antes que seja tarde e os tambores do fascismo e da guerra comecem a rufar.