Uma das esperanças mais frustradas da história da democracia no Portugal saído do 25 de Abril tem a ver com a possibilidade dos partidos, movimentos e setores à esquerda do Partido Socialista encontrarem neste um parceiro certo para uma alternativa capaz de superar a mera gestão institucional do capitalismo. As responsabilidades para a inexistência de um entendimento pertencem a ambas as partes: enquanto do lado dos socialistas o genoma de esquerda foi sendo maculado, gradualmente substituído por uma corrente administrativista, aparelhista e de certa forma «apolítica», associada na década de 1990 aos tiques e vertigens da Terceira Via blairiana, as forças à sua esquerda jamais deixaram de ver nos socialistas os fiéis e irrecuperáveis seguidores da traição revisionista de Bernstein, «serventuários da burguesia» de pendor social-democrata e reformista. Quanto muito, reconhecia-se a existência de uma «esquerda do PS», aplicando-se tal designação àqueles que, de facto, como uma espécie de arrependidos, se encontravam mais próximos de quem os classificava assim que do partido ao qual pertenciam. Tais atitudes foram bloqueando continuadamente a construção de um projeto de unidade governativa à esquerda.
Mas se em tempos de crescimento e desafogo tal distanciamento não era dramático, no presente, quando a gestão da república passa, cada vez mais visivelmente, pelo confronto de modelos incompatíveis – aquele que privilegia o recuo do Estado e a defesa da austeridade como caminho para a recuperação da economia, ou aquele que defende o papel positivo do Estado-Providência, da iniciativa pública e do crescimento económico – tal distanciamento torna-se letal para quem defenda este modelo. É verdade que o Partido Socialista integra um grande número de responsáveis cuja carreira pública não desperta grande confiança sob o ponto de vista de uma intervenção claramente de esquerda e limpa de clientelismo, mas também é verdade que nele milita um grande número de pessoas conscientes do caráter funesto do modelo de governação em vigor. Sabendo-se que sem o PS a alternativa de governação é impraticável – uma evolução «à grega», com uma radicalização dos extremos, não é possível num Portugal com uma história social e política muito diferente – a solução estará sempre em maximizar os fatores de aproximação, e não em vincar aqueles que apontam no sentido do afastamento, ficando à espera dos tais «verdadeiros socialistas» que surgirão numa improvável manhã de nevoeiro. Por isso é preciso ouvir o PS e a sua direção. Falar honestamente com ela, sem colocar logo à cabeça exigências inegociáveis. Sem excluir aproximações nas autarquias, nas instituições, nos sindicatos. E é também preciso que ela escute e saiba falar com quem pode construir uma nova maioria de esquerda e um governo capaz que nos salve do desastre. Não precisa fazer uma autocrítica pública: basta assumir que não repete os mesmos erros dos últimos quarenta anos. E mostrá-lo.