Precisamente há 45 anos, a 2 de Maio de 1968, começou o «Maio francês». Foi a revolta estudantil a acontecer em primeiro lugar, aberta nos anfiteatros de Nanterre quando, nesse dia, o reitor Grappin convocou 8 estudantes do Movimento 22 de Março para um conselho disciplinar. Seguiu-se a primeira grande assembleia estudantil e a repressão policial. A revolta operária veio também, um pouco mais tarde, mais sóbria e nunca chegando a unir-se completamente à primeira. Muitos intelectuais estiveram presentes desde a primeira hora, associando-se a ambas e sujando os sapatos nas barricadas, as mãos na tinta dos panfletos e dos graffiti. Os partidos da esquerda comportaram-se de forma desigual, nem sempre límpida («Falsos revolucionários que é preciso desmascarar» titulava o L’Humanité logo a 3, convirá não esquecer), mas nos momentos decisivos estiveram do mesmo lado da barricada. E das barricadas.
No final do mês, os partidários de De Gaulle parecia terem vencido o combate. O movimento desmobilizou rapidamente. Muitos rebeldes desistiram e alguns mudaram de campo. Mas em termos históricos o que ficou não foi tanto a derrota de uns e a vitória dos outros: foi a invenção de uma outra forma, em larga medida radical, igualitária e libertária, de reorganizar a vida e os modos de olhar o mundo em mudança. E também de uma outra forma de protestar e de fazer ouvir a voz dos que reclamam os seus direitos. E a aceitação de que o futuro é sempre um caminho aberto, com a dimensão necessária de um impossível essencialmente criador, jamais uma inevitabilidade histórica. Sim, o resto esfumou-se – até a nostalgia dos soixante-huitiards mais resistentes parece ter-se eclipsado – e terá sido apenas isso que ficou do Maio de 68. Mas não foi pouco.
A meio do mês, a revista portuguesa Vida Mundial descrevia a paisagem do campo de batalha: “Os anfiteatros estavam à cunha, prosseguindo neles as apaixonadas discussões dos problemas estudantis, desde os exames ao cinema. No pátio interior tocava uma banda. No interior como no exterior os cartazes nas paredes multiplicavam-se. Viam-se retratos de Mao, de Che Guevara, de Trotsky. Como em Nanterre, apareceram frases pintadas nas paredes. Os revoltados passaram a dormir a sesta nas cátedras dos mais elevados mestres e nem sequer se levantavam para tomar as refeições, à base de pão, salsichas e frutas adquiridas com fundos comuns, obtidos dos transeuntes. Por toda a faculdade havia bandeiras vermelhas, negras, do Vietcong e chinesa, e os estudantes até se tratavam por camaradas. Os pensamentos mais destacados de Mao Tsé-Tung foram escritos nas paredes e também outros slogans. O número de ocupantes da Sorbonne era sensivelmente de dois mil durante a noite e seis mil de dia, para tomarem parte das «aulas magnas da revolução».”