Posso contar uma experiência em tudo parecida com a que outros contaram hoje nos jornais, nos blogues, nos murais do facebook. Em maio daquele ano fiz o exame da 4ª classe na minha escola primária, a principal, a da vila. Mas os alunos das aldeias em volta tiveram de vir, alguns a pé, nos seus melhores fatos, com o ar mais sério que eram capazes de pôr, cumprir a prova que desde a 1ª classe tanto temiam e para a maioria deles iria encerrar, para sempre, o tempo de estudos. Depois, em junho, como fazia parte do pequeno grupo dos que deveriam entrar no ensino secundário, fui à grande cidade fazer o exame «de admissão ao liceu» com prova escrita e oral. Lembro-me de tudo: do átrio enorme e assustador, dos corredores em cor beije e das salas numeradas, da minha primeira gravata vermelha (com pintas brancas), da cara patibular dos professores e, no final, passada já a grande dor de barriga, de ter comido na rua um portentoso sorvete de morango. Mas não recordo mais nada: das perguntas, da forma como me desembaracei delas, do que aprendi ou inventei para poder passar aquele transe sem grandes problemas. Nada, nadinha, nicles. Hoje compreendo que afinal o essencial não era aprender mais e melhor: era antes assinalar um ritual de submissão à hierarquia dos saberes e ao sagrado lugar da autoridade. E é isso que, na verdade, pretende replicar esta ideia peregrina de ressuscitar no século vinte e um o exame do 4º ano de escolaridade. Industriar os maleáveis cérebros dos pequenos corpos, para além de uma aprendizagem rudimentar, no reconhecimento de que existe um cerimonial de aferição a cumprir. Numa vida inteira a ser-se avaliado e a fazer por passar à frente dos outros. Sabendo muito, pouco ou quase nada.