À medida que o volume de informação vai crescendo e se desdobra, que a sua velocidade de circulação dispara, e a multidão de sound bites e de dados irrelevantes tende a sobrepor-se ao que consegue sobreviver àqueles «quinze minutos de fama» dos quais falava Andy Warhol, tendemos a perder o rastro ao que permaneceu durante décadas como âncora da nossa memória ou como fundação da nossa maneira de olhar o mundo. Se, como sugeriu Marc Augé num pequeno e luminoso texto de 1998, é verdade que sem esquecimento não existe memória, pois de outra forma iríamos perder-nos no sorvedouro imenso de um passado esmagador, também é verdadeiro que a ampliação dos meios de informação e de comunicação tende agora, cada vez mais, embora paradoxalmente, a conservar o que é fugaz e a apagar o que permanecerá na lembrança de mais do que uma geração. Só isto explica que nesta altura deixemos morrer no esquecimento, quase sem uma palavra, homens e mulheres que durante tanto tempo nos acompanharam no reconhecimento do mundo, ou que nele conduziram os que mais de perto nos precederam.
Esta usura do esquecimento foi-me hoje esfregada na cara por Ferreira Fernandes, ao evocar, na sua crónica habitual do Diário de Notícias, a morte do fotógrafo italiano Mario De Biasi (1923-2013). Foi ele, como lembra o jornalista, o grande repórter fotográfico do levantamento de Budapeste, ocorrido em 1956 e terminado, doze anos antes da história se repetir em Praga, com a inesperada invasão da capital húngara pelos tanques soviéticos. Sem De Biasi, provavelmente, a revolta popular e a sua brutal repressão teriam sido silenciados. A sua mais conhecida fotografia fora no entanto tirada em Roma dois anos antes, tendo então recebido um título algo trocista: Gli italiani si voltano, Os italianos voltam-se. Uma fotografia intensa e provocadora, na teia de preconceitos, atitudes, valores e «ares do tempo» que facilmente evoca. Biasi morreu esta semana e, que tenha reparado, ninguém pelos desvãos da nossa desmemoriada imprensa falou dele. A exceção terá mesmo sido Ferreira Fernandes, que continua a ser um notável exemplo desse jornalismo com memória, com sentido crítico e que não corre logo atrás da primeira brisa. Um jornalismo que sabe distinguir o fugaz, a nuvem passageira, daquilo que irá permanecer pelo menos por algum tempo. E que por isso se sabe fixar nos ventos fortes. Os que tatuam.