Do fundo do baú deste blogue, irei recuperar alguns dos posts da série-catálogo «Vidas Exemplares». Estamos todos a precisar de modelos.
Pelos finais do século XIX, Alexandre Marius Jacob (1879-1954), o autoproclamado «ilegalista pacifista», resolveu dedicar-se a tirar «aos que não produzem nada mas têm tudo» para dar «aos que produzem tudo e não possuem nada». A sua vida de assaltante, iniciada em 1894 com a formação do bando «Os Trabalhadores da Noite», destinado a espoliar os «parasitas sociais», jamais foi a do simples criminoso, pois sempre anunciou que as suas acções se voltavam contra a classe dominante e contra «o mais iníquo de todos os roubos», a propriedade individual. Uma percentagem do dinheiro roubado era destinada à causa anarquista e aos camaradas em dificuldades. «O roubo é a restituição», escreveu uma vez no jornal libertário Germinal, parodiando a conhecida frase de Proudhon que equipara a propriedade ao roubo. Com grande sentido de humor e eterno porte de cavalheiro, virá a tornar-se em 1907, para Maurice Leblanc, no modelo ficcional de Arséne Lupin, o gentleman-cambrioleur que fazia questão de troçar da polícia e dos poderosos.
Preso e condenado em 1905 após mais de 150 assaltos – durante o julgamento atirou aos juízes: «não tenham qualquer indulgência para comigo, pois eu não a teria para convosco!» –, Marius será encarcerado numa colónia penal, da qual tentará evadir-se dezassete vezes. Libertado em 1927, tornar-se-á comerciante, mas jamais deixou de se comportar como um resistente feroz ao regime da propriedade e à ordem do dinheiro. Em 1936, no início da Guerra Civil, viajou até Espanha para colaborar com a anarquista CNT e durante a ocupação nazi ajudou militantemente a Resistência francesa. Continuou depois o trabalho público de divulgação do ideal libertário. Em 1954 suicidar-se-á com uma injecção de morfina, deixando uma mensagem com a sua marca de sempre: «Roupa lavada e seca mas por passar. Senti uma certa preguiça. Desculpem lá. Podem encontrar dois litros de rosé ao lado da caixa do pão. À vossa saúde!»