Após décadas de silenciamento ou desinteresse, os últimos anos têm conhecido o gradual desvendamento da história das relações do Estado português com a política de antissemitismo militante da Alemanha nazi e a perceção, finda a guerra, do reconhecimento público dos processos de barbárie do Holocausto. Neste livro, Irene Flunser Pimentel e Cláudia Ninhos, duas historiadoras de gerações diferentes, oferecem um contributo valioso para superar essa falha, fazendo-o através de um trabalho que integra o reconhecimento do pouco e disperso que sobre o assunto foi publicado associado a um enorme manancial de informação nova e relevante, impondo-o como de leitura obrigatória para quem estude ou pretenda conhecer melhor a evolução da política externa e da sociedade portuguesa durante a Segunda Grande Guerra. Divide-se em duas partes separadas pelos assuntos abordados e pela cronologia: uma sobre o «problema judeu» em Portugal e na Alemanha nas vésperas do conflito; a outra ocupando-se da forma como este foi vivido na Europa e em particular no nosso país, enfatizando o papel do Holocausto e os processos que aqui levaram ao seu reconhecimento público.
A primeira parte propõe um enquadramento do problema, compilando informação já obtida à qual associa outra, nova. Observa a ascensão e a consolidação do nazismo na Alemanha, estabelece uma comparação sucinta entre este e o Estado Novo português, anota os principais elementos diferenciadores dos dois regimes – visíveis em particular no que respeita ao antissemitismo e à eugenia – e ocupa-se da política de Salazar em relação aos refugiados provenientes da Alemanha e da Europa central no período que antecede o início da Segunda Guerra Mundial, quando o governo de Hitler ainda permitia a saída dos judeus com meios para o poderem fazer. Já a segunda parte, mais detalhada e original, comporta uma abordagem do antissemitismo militante, posto em prática pelos nazis na Alemanha e nos territórios por esta ocupados no decorrer do conflito, relacionando as suas circunstâncias com a forma como o governo português abordou o problema. Dá-se aqui especial atenção à política oficial perante os refugiados que tiveram oportunidade de aportar a Portugal: apesar de tudo então ter sido feito pelo regime para que estes não se integrassem ou permanecessem, a vida não lhes foi excessivamente dificultada.
Inteiramente original é, em termos de objeto, o capítulo final, no qual as autoras tratam o modo como a opinião pública portuguesa e a imprensa da época reconheceram e noticiaram, ou silenciaram, o Holocausto. Se é verdade que a «campanha antissemita» em curso na Alemanha desde os primeiros passos da construção do regime nazi, ou antes mesmo deste ter sido instalado, foi chegando a conta-gotas, a verdade é que a informação sobre as piores atrocidades, e depois sobre as consequências da Solução Final, tardou muito a circular, sendo até objeto frequente de censura. Só após o início dos Julgamentos de Nuremberga a situação se modificou, mas ainda assim com limitações. Na verdade, só muito mais tarde o assunto – hoje sobejamente conhecido por qualquer português medianamente informado – pôde ser abordado em livros e jornais com detalhe e sem especiais restrições. Irene Pimentel e Cláudia Ninhos mostram como começou este processo de desvendamento.
Irene Flunser Pimentel e Cláudia Ninhos, Salazar, Portugal e o Holocausto. Temas e Debates – Círculo de Leitores. 928 págs. Versão revista de artigo publicado na LER de Junho de 2013.