Republico este post no dia em que, se por cá estivesse a aturar a corja e a dar-nos força para a pôr a andar, José Afonso perfaria 84.
Não, não vou invocar uma relação de proximidade com José Afonso. Falei com ele uma única vez, por curtos instantes, e ouvi-o cantar uma dúzia, se tanto, sempre com a cábula por perto. Ouvi-o desafinar. Vi-o até tocar violão, coisa que, como lembra Rui Pato e posso confirmar, fazia pessimamente. Mas mais nada. Por isso não o chamo de Zeca, tratamento carinhoso e plebeu que sempre olhei como um exclusivo dos seus íntimos. Gostei medianamente de alguma da sua música (das primeiras baladas, de forte carga simbólica mas ainda demasiado próximas, para o meu esquisito gosto, do fado de Coimbra), muito de outra (com aquelas linhas poéticas inesquecíveis), muitíssimo de dois ou três discos, tão bons, tão bons, nos textos e nas composições. Vejo Cantigas do Maio, arranjado por José Mário Branco, como um dos três maiores álbuns de sempre da música popular portuguesa (a par do Com que Voz, da Amália, e do Mudam-se os Tempos…, do mesmo José Mário). Mas aquilo que sempre olhei como um seu lado singular, estimável e verdadeiramente exemplar foi o bravo quixotismo, a perene inquietude, o pendor para a anarquia, a atitude crítica, o modo poético de falar, de pensar, até de parecer, a capacidade para fazer amigos (lembram aqueles que o foram), a coragem que o fez circular pela vida sempre sobre parapeitos, o antidogmatismo pelo qual foi criticado por parte dos que agora, numa vaga de unanimismo acrítico, o incensam como um dos seus (nem sempre foi, sabiam?). Será esse lado independente e solidário, simples e desassossegado, convicto mas aberto à fantasia, que, tanto quanto a sua música, dele podemos recolher ainda como exemplo. Faz-nos falta. Faz, faz, porque isto agora, José…