Vivemos um tempo no qual o sonho é geralmente desvalorizado. Não me refiro à experiência particular da imaginação, nascida no inconsciente e intensamente vivida enquanto dormimos, que continua a povoar as longas noites nas quais procuramos descansar o corpo, mas antes a esse «sonho diurno» do qual falava o filósofo Ernst Bloch. Esse nascido da nossa capacidade parar fantasiar, para desenhar aquilo que aparentemente não é desenhável, que continua a alimentar a dinâmica das grandes utopias. Estas, sim, têm sido menosprezadas, relegadas pelos meios de comunicação de massa – hoje as mais importantes máquinas de produção e de mascaramento da realidade – para o reino das irrelevâncias que desencaminham as sociedades e lhes conferem um excesso, tido como «não rentável», de humanidade.
Fala-se muito mais do pequeno «sonho» de possuir uma mala de marca, de aparecer num concurso da televisão, de conseguir por qualquer meio esses «quinze minutos de fama» que um dia Andy Warhol previu como um direito de todos. Revela-se então em público o «sonho» de ser-se podre de rico, de se exibir um ruidoso Ferrari, de transportar um bronzeado conquistado numas férias passadas num seleto resort, situado algures em lugar exótico e a muitas horas de voo. Em política, «sonhar» é também habitualmente depreciado, tomado como extravagância de pessoas vagamente de esquerda, com défice de realismo e excesso de solidariedade no ADN. Todavia, ensina-nos a História que no passado, como hoje e como sempre, será pelo sonho desmedido e partilhado que nos libertaremos do marasmo e do fatalismo. Que nos tornamos capazes de alimentar a nossa própria capacidade para derrubar muros e traçar novas fronteiras.