O Tribunal Constitucional fez aquilo que tinha de fazer para ser coerente com os seus objetivos e processos de funcionamento: votou com base numa interpretação razoável dos termos da chamada lei da limitação de mandatos. Por isso, dado ser esta claramente insuficiente e ambígua, o ónus da culpa lançada sobre aquilo que de mau ela irá ajudar a conservar no funcionamento do poder autárquico pesará diretamente sobre as costas do legislador. E também sobre os partidos (no caso, PSD e PCP) que tudo fizeram para que vingasse a interpretação que vingou. O PCP chegou mesmo a comentar, já depois da votação do TC, que «ganhou a democracia», escudando-se na defesa dos direitos democráticos dos candidatos crónicos como se falássemos apenas de santos servidores da coisa pública e não de eventuais, ou por vezes certos e seguros, pecadores.
Não estão em causa juízos de intenção sobre fulano ou sicrano, mas princípios de transparência e de rigor. Toda a gente sabe que a ocasião faz o ladrão e que a teia de cumplicidades, favores e autoritarismo construída muitas vezes em redor do poder local é um dos fatores de desprestígio da democracia e desse despesismo dos dinheiros públicos, mais ou menos encapotado e tantas vezes irresponsável, que muitos reconhecem apontando no entanto os culpados errados. Passar apenas para o outro lado da ponte (literalmente, como é o caso de Luís Filipe Menezes, que vai de Gaia para o Porto) para «limpar o cartão» e se desfazer na aparência de compadrios e tentações construídos numa dúzia de anos de gestão ultrapersonalizada pode ser legal – e, muito bem, para o TC é-o – mas é imoral. A verdade, bem ensina a paleontologia, é que os dinossauros não tinham grandes preocupações éticas e reinavam impunes sobre os destinos da Terra. Até um dia.