A partir do blogue 1 dia atrás do outro cheguei à imagem que acompanha este post. Trata-se do exterior de um banco brasileiro em Manaus. Cito: «Os sem-abrigo costumavam abrigar-se ali do sol e da chuva. O banco acabou com o “abuso” (se é sem-abrigo não se pode abrigar, ora essa) mandando colocar pedras pontiagudas no passeio.» Segue-se a descrição ilustrada de um caso análogo, ocorrido com uma agência local do BBVA. Não se trata, porém, de situações raras, casuais, esporádicas, mas de um sintoma, de uma tendência, que representa algo de avassalador para a experiência do mundo, pelo menos do mundo «desenvolvido» num processo de respeito consensualizado pelos direitos humanos mais elementares, tal qual ainda há menos de uma década o podíamos entender.
No mundo que conheci até há pouco, a dimensão de solidariedade tinha-se transformado – com a de igualdade, as coisas foram bem mais difíceis – num fator central do comportamento partilhado dos indivíduos e das instituições. Mesmo aqueles que na verdade a temiam ou desprezavam, precisavam ter em conta a pressão social que considerava intolerável o desprezo manifesto em relação aos mais fracos. O individualismo galopante, a rápida degradação dos direitos humanos, a desvalorização das vidas sem sucesso material, estão agora a abolir esse código que parecia sagrado e irreversível. Os mais pobres, os menos protegidos, os que não possuem sequer o direito à voz porque nem quem os represente conseguem encontrar (não há sindicatos de mendigos, não existem lobbies de desempregados, cada imigrante luta sozinho), estão agora a ser empurrados para o fundo da escala, para vielas esconsas, para os antros mais insalubres de miséria e morte. Como párias, seres descartáveis que devem desaparecer de um horizonte supostamente asséptico, pois nem capacidade de reciclagem têm. São os mendigos, são os velhos (os grisalhos, uh!), são os improdutivos. Os que se vestem mal, têm os dentes podres, não cheiram lá muito bem. E por isso merecem ser empurrados para longe dos olhares públicos, para onde possam definhar e morrer sem servirem de mau exemplo para as gerações de vencedores. Mas o pior, o pior de tudo, é esta atitude ser estimulada, por palavras e obras, pelos governos a quem competiria em primeiro lugar zelar por todos. Principalmente pelos mais frágeis, aqueles que pouco ou nada podem. Sem o exemplo da misericórdia experimentada pelo próximo, que amanhã de manhã podemos ser nós, no que nos transformaremos afinal? Hobbes previa que, sem a intervenção apaziguadora do Estado, do governo de todos, tornaríamos à condição original de lobos. Já se ouvem os uivos.