Imaginemo-nos na pele de um Indiana Jones sem os golpes de sorte ou os malabarismos de chicote do arqueólogo-herói criado em 1980 por George Lucas e filmado por Steven Spielberg. Em dado momento, caídos numa armadilha feita de alçapões ocultos e sucessivas rampas deslizáveis, para onde fomos projetados enquanto procurávamos uma estatueta egípcia da III dinastia, vemo-nos num instante rodeados de perigos. Com a morte por perto, cercados de cobras venenosas, gigantescos lacraus e humanos pouco amigáveis saídos de outras eras, tudo fazemos então para sobreviver e sair dali com vida. Entretanto não estamos sozinhos. Na mesma armadilha foram também colhidos outros aventureiros, com os quais, por esta ou aquela razão – um plagiara-nos um paper, outro roubara-nos a namorada, um terceiro ultrapassara-nos de forma pouco transparente num concurso – nos havíamos incompatibilizado. Mas diante do perigo maior, que a todos punha a vida em jogo, as diferenças esbateram-se. E foi assim, defrontando corajosamente e em conjunto todos os obstáculos e inimigos, que conseguimos alcançar a única saída possível para regressar ao nosso tempo. Fugindo àquele cenário de pesadelo.
Porém, a unidade para a sobrevivência frente a um inimigo maior, agressivo e inteiramente hostil, que põe em risco o futuro das pessoas comuns, da democracia e da independência do país, infelizmente não parece ser – e como gostaria eu de estar a ver mal! – a preocupação primeira da direção do Bloco de Esquerda no preciso momento em que se colocou a possibilidade de um alargamento da base eleitoral à esquerda do PCP, no qual poderia e deveria ter um papel decisivo. Os motivos invocados são recorrentes e vêm de uma tradição de sectarismo e de inflexibilidade que, ao contrário do que acontece à direita, acompanha a história da grande família politica que nesta situação está em causa. Se por um lado se considera que qualquer aliança deve ser feita à sombra da força hegemónica – o que, à partida, exclui uma aproximação paritária e uma colaboração franca, dando lugar apenas à colaboração de alguns «independentes» previsíveis e isolados –, por outro invocam-se divergências pessoais, reais ou exacerbadas, como causa suficiente para evitar a confluência num projeto unitário, necessariamente assente num conjunto simples de pontos comuns, apontando para um futuro programa de governo, e não numa confluência total de convicções e de sensibilidades.
A apresentação, sugerida pelo movimento 3D, de uma candidatura às eleições europeias que fosse um sinal para o futuro e um balão de ensaio para um projeto partilhado nas legislativas de 2015, deveria incluir forças várias, dando à sociedade e a um eleitorado crescentemente adormecido um sinal positivo de abertura a algo de novo, mas bastaram dois fatores – o princípio de uma paridade razoável na composição da lista única e a inclusão do Partido Livre, associados ainda a uma resistência à proximidade de certas pessoas –, para inviabilizar essa possibilidade. Preferia não citar nomes, e por isso refiro-me apenas a um: independentemente das razões que o BE possa ter para rejeitar a aproximação a Rui Tavares, não deveria confundi-lo com as muitas pessoas, provavelmente já milhares, que simpatizam com as propostas do partido que tem ajudado a fundar, mas, naturalmente, pensam pela sua própria cabeça. A, B ou C podem ou não ter todos os defeitos do mundo, ser gente das quais por esta ou aquela razão não se gosta ou em quem se não confia, e todos nas nossas vidas convivemos com situações dessa natureza, mas em política, e sobretudo em democracia, o que conta são os princípios e as propostas, não o odor corporal de Fulano ou a voz irritante de Beltrano.
É pois de lamentar o caminho tomado neste particular pela direção do Bloco de Esquerda. A solução encontrada pode apaziguar algum mal-estar epidérmico e até ajudar a superar, provisoriamente como sempre, determinados conflitos internos, mas é contrária às expectativas que criou num eleitorado que nele viu, desde o início, uma voz comprometida com causas difíceis e que se distinguia pelo seu afã de unidade à esquerda e de total pluralismo. Se sempre cumpriu esse papel, é algo que pode ser discutido, mas que preencheu essa função de dinamizador de uma esperança, fê-lo com toda a certeza. Não pode ser por causa de vírgulas fora do sítio ou do mau hálito de diversos «alguém» que vai deixar cair esse capital de esperança que ao longo de anos soube construir. Dando um mau sinal a quem se preocupa nesta altura com o essencial e precisa dramaticamente de um horizonte de futuro. E pagando caro, nas urnas, por isso.
Declaração de intenção: Para além de ser amigo de muitos militantes seus, gente honesta e combativa, colaboro com o Bloco desde o seu início, cheguei a ter cartão de militante (embora sem as quotas em dia…), e em todas as eleições às quais concorreu votei, convictamente ou com distanciamento crítico, mas sempre, nas suas listas. Não sei se o farei desta vez e custa-me muito dizê-lo.