Lê-se num instante O Eterno Retorno do Fascismo, um pequeno grande livro do filósofo e ensaísta holandês Rob Riemen, traduzido há perto de dois anos pela editora Bizâncio. No curso das suas 80 páginas passamos em revista, de uma forma clara e bastante esclarecedora, como num manual de instruções, o modo insidioso como um novo fascismo se tem vindo a instalar nas nossas consciências narcotizadas com o patrocínio da maioria dos meios de comunicação de massa. Toma de hoje em dia outros nomes, enverga outras máscaras, é até capaz de invocar a liberdade política, a igualdade de oportunidades e o respeito pela democracia formal para conquistar adeptos, preparando assim o terreno para novas formas de submissão. Mais traiçoeiras, menos espetaculares, aparentemente indolores ou até sedutoras, mas não menos escravizantes e violentas do que aquelas que no século passado foram aplicadas em parte do mundo, e em Portugal também, a partir dos modelos autoritários e profundamente agressivos que um dia se apoderaram da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler.
Sublinha Riemen, a dada altura, que este fascismo contemporâneo nasce principalmente, não do uso explícito da violência, não da imposição de uma ideologia, de uma crença ou de uma finalidade, mas, justamente ao invés, da insidiosa omissão de quaisquer valores de natureza ética e, contra toda a reflexão, de uma espécie de triunfo da ignorância. Este resulta em boa parte «de partidos políticos que renunciaram à sua tradição intelectual, de intelectuais que cultivaram um niilismo complacente, de universidades que já não são dignas desse nome, da ganância do mundo de negócios e de mass media que preferem ser ventríloquos do público em vez de serem o seu espelho crítico». Nota então o filósofo serem justamente as elites, crescentemente corrompidas e alheias a qualquer fundamento ético que não aquele imposto pelos seus interesses mais imediatos, que alimentam um vazio espiritual capaz de servir de caldo de cultura ao retorno implacável desse novo padrão de fascismo.
As palavras de Riemen representam pois um útil brado de alerta. Podem ajudar a combater o adormecimento do espírito crítico e a expansão da perigosa ideia de acordo com a qual «as coisas são como são» nada havendo a fazer senão aceitá-las, que vão chocando o ovo da serpente. Merecem pois ser lidas com a etiqueta de urgente. Apesar da atual tendência das nossas livrarias para não manterem fundos de catálogo, creio que ainda poderá ser encontrado ou encomendado em algumas.
Versão ampliada de uma crónica publicada no Diário As Beiras.