1. Transcrevo uma parte substancial da crónica que José Vítor Malheiros assina hoje no Público:
«Os grandes consensos políticos são indispensáveis em graves momentos de crise. Em muitos dos países ocupados pelos nazis na Segunda Guerra Mundial, a resistência incluía pessoas que cobriam um espetro político que ia dos cristãos conservadores e monárquicos aos comunistas e anarquistas e a razão, a necessidade e a justiça da sua aliança era uma evidência para todos. Estes grandes consensos podem ser vitais em momentos de emergência, para ultrapassar um obstáculo preciso, ainda que não constituam uma fórmula de governação política nem apaguem as diferenças e os conflitos entre os seus constituintes – diferenças vitais, também elas, para permitir o exercício da livre escolha democrática pelos cidadãos, que deve ser instituída ou restabelecida tão depressa quanto possível.
O momento que Portugal vive é um desses momentos de grave crise. Não estamos sob ocupação militar mas vivemos há três anos sob outro tipo de ocupação, virtual, comandada à distância, por potências financeiras sem nome e sem cara, que ditam os nossos destinos. Uma ocupação onde o princípio da soberania do povo é desprezado pelos próprios dirigentes que juraram defendê-lo, onde as necessidades e os desejos da população são subalternizados perante interesses que lhe são alheios, onde o património nacional e o património pessoal dos cidadãos são pilhados e exportados pelas potências ocupantes, onde o contrato social é vilipendiado como coisa desprezável, onde um governo colaboracionista atribui um estatuto sagrado aos seus deveres de obediência perante a potência ocupante mas renega as suas obrigações perante os cidadãos, onde um número crescente de cidadãos é atirado para a miséria e para a carência e impossibilitado de exercer a sua cidadania.»
2. Esta crónica intitula-se «Não ao colaboracionismo» e sublinha um fator essencial para a busca de uma solução democrática capaz de retirar Portugal do abismo para o qual está a ser empurrado por um governo que põe em causa a independência nacional e hipoteca, através de um retrocesso civilizacional rápido e gigantesco, o futuro de gerações. Este fator traduz-se na necessidade de, antes de definir programas e projetos, antes mesmo da realização de eleições democráticas, instituir uma larga frente de resistência à política de terra queimada imposta, como na república colaboracionista de Vichy, pelos agentes internos do ocupante. E, contra estes, em nome do mais essencial, é um mínimo de princípios elementares de sobrevivência nacional e de subsistência económica que deve unir um imenso arco de portugueses. Mesmo aqueles que de outra forma jamais se encontrariam do mesmo lado e, inevitavelmente, depois desta fase voltarão a afastar-se.
Por isso, por conter sementes de uma plataforma mínima tendente a defender o mais essencial, o «manifesto dos 70» é importante e merece ser propagado. Porém, se é natural que os partidos do governo e a presidência da República o ataquem de forma cega, é no mínimo inexplicável a senha que contra ele dirigem alguns setores da esquerda. Não me refiro às franjas mais radicais, que sonham com uma emancipação nascida da miséria e da violência como fatores de «consciencialização revolucionária», seja lá isso o que for. Refiro-me principalmente aos setores que têm na boca a unidade, mas apenas a ela aderem quando julgam poder controlar o que for possível unir. Excluindo a unidade assente na diferença, e baseada na confiança, como momento de resistência, trocando-a por um frentismo de banda estreita sem qualquer hipótese de mobilizar a larga maioria dos cidadãos para pôr fim ao pesadelo. Os seus ataques ao manifesto, ou mesmo o seu silêncio e distanciamento, são bastante significativos. Por omissão, só beneficiam a manutenção do atual estado das coisas.