Um dos traços negativos da atual campanha para as europeias encontra-se no paradoxal menosprezo dos partidos do arco da governação pela Europa como assunto e desígnio. Nas suas campanhas, o PS e o PSD/CDS integram o tema como parte acessória da luta interna que mantêm pela gestão do Estado e da estratégia internacional das respetivas famílias políticas – seja o que for que isso ainda possa significar – para o controlo do Conselho Europeu e da maioria em Bruxelas e Estrasburgo. Por isso, neles as referências à política europeia como razão de ser e objetivo central da participação nestas eleições, em pouco se distinguem. Limitam-se a replicar a separação, tantas vezes apenas formal, entre os defensores da austeridade a todo o custo ou os de um desenvolvimento mais apoiado na intervenção dos poderes públicos. Para além do apelo à delegação de soberania através do voto, os cidadãos não são informados com clareza de qual o sentido efetivo que cada uma das escolhas verdadeiramente pode ou deve tomar. O que, de concreto, irão Assis ou Rangel fazer no Parlamento Europeu.
De facto, e como já tem sido sublinhado, somente os partidos à esquerda do PS se ocupam verdadeiramente do tema. Um deles, o Livre, coloca mesmo a Europa no eixo do seu programa político, adiantando algumas propostas interessantes mas que, a meu ver, a curto prazo, têm exígua possibilidade de reunir consensos e de agregar uma ação eficaz, dado apontarem para um modelo federalista no preciso momento em que se agudizam as contradições entre os Estados. Tenho respeito e simpatia pela nova experiência do Livre, apesar de discordar de alguns aspetos do seu processo de formação, e sou dos que considera a intervenção de Rui Tavares e do partido como um fator positivo, de arejamento do nosso sistema político em prol de uma futura aproximação à esquerda. Mas tal não basta, neste caso.
O seu inequívoco europeísmo é entretanto contrabalançado à esquerda pelos habituais adversários da Europa dos Estados de democracia representativa, que consideram uma «Europa do capital», e que aproveitam o atual estado de inércia e indefinição da União Europeia para proclamarem a necessidade de regresso a um continente no qual se deverão acentuar as soberanias dos governos estatistas «dos trabalhadores». Perante o avanço global da China e agora da Rússia de Putin – com o qual alguns sonham como ponte de passagem para um eventual regresso ao passado, ou como trincheira de combate contra o arqui-inimigo americano – defendem uma Europa sem voz única, assente na autonomia dos governos e, naturalmente, na destruição do euro e da economia de mercado. É essa, genericamente, a posição de movimentos sem significado eleitoral e meramente protestatários, como o MAS ou o MRPP.
Mas é esta também a posição do PCP, que como se sabe nunca lidou bem com o fim da Primeira Guerra Fria – a Segunda parece que está aí, embora poucos o digam – e a formação da União Europeia, e que replica, ainda que de forma verbalmente mais moderada, posições autistas e retrógradas como aquela que na Grécia tem mantido o KKE, o partido comunista local. Foi esta posição que, como se sabe, inviabilizou em 2012 a constituição de um governo de união à esquerda, em coligação com o Syriza. Em Portugal, a escolha antieuropeísta do PCP tem, por motivos conjunturais, associados a um natural descontentamento diante de uma EU dependente do diktat alemão que apoia a atual política austeritária, possibilitando o reforço recente da sua base eleitoral. O nacionalismo como traço identitário marca a história do PCP desde o final dos anos quarenta – existe até trabalho historiográfico sobre isto – e não será por acaso que, preservando-se esta marca no discurso do partido, como tem acontecido, se possam ouvir agora pessoas estruturalmente conservadoras, ou inequivocamente defensoras do multipartidarismo, a dizer que desta vez irão votar na CDU. Muitos vêm nas suas propostas uma saída orgânica para aquilo a que, aparentemente, ninguém mais dá uma resposta. Ainda que o modelo de desenvolvimento que pudesse suceder a um desejado abandono do euro ou uma desafetação da unidade europeia não seja minimamente claro e, no pouco que dele se pode perceber, seja até, no meu ver, bastante incerto e arriscado. A concretizar-se redundaria numa forma de isolacionismo que apenas pioraria a situação.
Neste contexto, e apesar de, sob diversos aspetos, alguns do domínio da política internacional, por vezes me distanciar do Bloco de Esquerda – no qual tenho, mesmo na discordância, votado desde 1999 – vejo nas suas propostas para estas eleições um vislumbre de coerência no território da intervenção na política europeia. Que é o que realmente importa nestas eleições. Refiro-me à conjugação de um europeísmo responsável, assente na definição de uma política de colaboração entre os Estados democráticos e as forças políticas à esquerda, centrada em primeiro lugar no interesse dos cidadãos, contra as políticas que definem a austeridade e a precariedade do emprego como princípio de gestão da coisa pública, e na resistência dos povos dos países europeus periféricos ao espoliar dos seus direitos. Mas também na rejeição do isolacionismo, ou da exacerbação do «nacionalismo de esquerda», que empurrariam Portugal, inevitavelmente, para um regresso a padrões de vida incompatíveis com o desenvolvimento global, a qualidade de vida e até a liberdade, seja ela formal ou real.
Nestas eleições, irei pois votar na lista do Bloco, com a deputada europeia Marisa Matias, que tem feito um trabalho notável, a encabeçá-la, mas que inclui várias pessoas sem partido, e deixo à consciência de quem me leia a alternativa entre discordar de mim e me acompanhar no gesto que irei materializar este domingo quando chegar à mesa de voto. Com uma palavra adicional para a necessidade de uma recusa da abstenção ou do voto em branco, os quais, neste momento, apenas diminuirão o impacto da necessária derrota do governo e da direita. E esta, julgo, querem-na todos os e as que habitualmente me leem.