Na terça-feira passada, 27 de Maio, publiquei um texto de opinião, intitulado «O dia seguinte do Bloco», no qual – como aí dizia, «na mera ótica do utilizador», isto é, enquanto apoiante crítico, colaborador ocasional e votante obstinado – ensaiava uma tentativa de interpretação, naturalmente curta e parcial, da enorme derrota sofrida pelo Bloco de Esquerda nas eleições europeias. Aí colocava também algumas hipóteses sobre o caminho, necessariamente difícil mas necessário, que poderia ser trilhado para retomar o caminho da esperança e do reconhecimento público. A justificar esse esforço a convicção, que mantenho, de que o Bloco pode e deve ser parte da solução para obter uma viragem do país no sentido da construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais democrática, e mais envolvida no bem-estar dos cidadãos. Para além de, nesta altura, integrar uma grande área destinada a inverter o estado a que a coligação PSD/CDS conduziu o país e a vida dos que o habitam, não podendo desobrigar-se do seu compromisso neste campo.
Tratava-se de um testemunho de esperança, no qual exprimia a convicção de que o safanão sentido teria consequências no lançamento de um olhar interno crítico, capaz de inverter algumas das escolhas políticas recentes. Não tinha, naturalmente, a presunção de supor que, de repente, todos os seus militantes resolvessem mudar tudo, a começar pelas suas convicções e pelos seus modos de agir. Não esperava que tal pudesse acontecer, nem faria sentido que ocorresse de um momento para o outro. Mas também não acreditava que, tão rapidamente, em vez de se ponderar serenamente a análise dos erros, eventuais ou efetivos, reconhecendo com humildade a incorreção de algumas estratégias, se insistisse na enunciação de sinais de cegueira, sectarismo e resistência à autocrítica e à construção de uma reformulação equilibrada da linha política e das atitudes.
Começou tudo na noite das eleições, com a passagem da responsabilidade principalmente para cima das abstenções e do populismo, cuja dimensão é obviamente da responsabilidade dos partidos, e do Livre, culpando o novo partido de divisionismo e acusando-o falaciosamente de ter sido «levado em ombros» pela comunicação social, o que de todo não é verdade. A verdade, sim, é que foi a direção do Bloco que, ao excluir o Livre de uma eventual convergência alargada a outras forças, potenciou a sua capacidade para rapidamente agregar simpatia. Além disso, se formos justos, aceitaremos, e ainda bem que tal aconteceu, que durante anos foi justamente a «boa imprensa» agora invocada que em parte fez o Bloco, praticamente sem «aparelho», disparar tão depressa até aos resultados extraordinários nas legislativas de 2009, quando obteve quase 600 mil votos. Depois foi a notícia, ontem confirmada, de se adiar a discussão da linha política numa Convenção nacional para o mês de Novembro, quando as vibrações do abalo tiverem passado e a discussão interna tiver isolado as posições mais críticas, conquistando-se novos e resvaladiços equilíbrios internos. Finalmente, e isto foi o pior de tudo, a derrota na votação de ontem, na Mesa Nacional, com 33 votos contra e 23 a favor, da proposta de Ana Drago no sentido do BE, a exemplo do grego Syriza, se abrir, sem preconceitos, a um processo de convergência negociada – de convergência, não fusão, obviamente – com outras forças à esquerda.
Esta exclusão de uma aproximação desejada por tantos eleitores do «povo de esquerda», esta recusa de uma discussão organizada mas sem paninhos quentes, só pode desiludir, o que já se está a notar, militantes, simpatizantes e eleitores que, apesar dos resultados de domingo, ainda viam no Bloco o polo aglutinador de uma esquerda plural e comprometida com a mudança, sem ser preconceituosa em relação aos seus protagonistas. Nestas condições, o caminho agora é pantanoso, afigurando-se ao olhar público, quanto muito, uma «evolução na continuidade», associada talvez a um robustecimento ideológico, mas não a um crescimento orgânico e a uma renovada adesão popular. Podendo transformar o Bloco de Esquerda num partido hermético, assumidamente maximalista, recorrentemente antieuropeu e essencialmente vocacionado para o protesto. A ser assim, muito francamente, mais sentido faria uma aproximação negociada à área política na qual esta posição é consequente e encontra eco eleitoral. A não ocorrer a agora longínqua mudança, a alternativa parece ser a descida até aos abismos da irrelevância. Aos tempos do velho partido da bicicleta de Américo Duarte. Não é preciso ser-se mago para o prever. Logo agora que tão necessário é um compromisso com a mudança. Poderá ainda o Bloco honrá-lo?