Juan Carlos Monedero, politólogo da Universidade Complutense e número dois do Podemos, declarou em entrevista publicada recentemente pelo Jornal de Notícias que vivemos tempos «em que precisamos de um leninismo amável». Como parte de um estrito exercício de retórica política este conceito – parcialmente devedor de uma reatualização da «herança de Lenine» projetada à margem da sagrada cartilha do marxismo-leninismo saído dos anos trinta – pode ter algum impacto. Todavia, tanto no domínio da teoria como num plano mais estritamente prático, ele traduz sensivelmente o mesmo que falar de «islamismo ateu». É pois a expressão perfeita do oximoro. Monedero tem-se servido noutros lugares desse conceito, embora lhe dê um sentido amplo: define-o como o recurso transitório a um assumido populismo, e não à intervenção decisiva do partido de vanguarda previsto por Lenine, como forma de mobilizar a maioria dos cidadãos para desinstitucionalizar a ordem política vigente e lançar as bases de uma outra, inteiramente nova, direta, e por isso revolucionária e integralmente substituta.
Porém, esse populismo não é o tradicional. Não se traduz na apresentação de líderes, caudilhos ou programas lançados com base na enganadora promessa de uma resposta pronta e segura às necessidades mais prementes «das massas», arrastando consigo quem por elas anseia e dando origem em formas de poder soberano de um caráter essencial e inevitavelmente autoritário. O populismo do qual, sem qualquer inibição, fala Monedero e outros militantes ou simpatizantes do Podemos, é outra coisa, sendo tomado como um instrumento destinado a pôr os cidadãos em movimento, de uma forma direta, mobilizadora, que de modo algum passe pela mediação dos partidos tradicionais. Existe aqui uma certa recuperação da ideia da necessidade de uma força motriz poderosa, capaz de criar as condições para a rápida institucionalização de uma ordem política radicalmente outra. Um pouco como a prevista por Lenine em Que Fazer?, a obra que em 1902 lançou a semente do partido profissionalizado, concebido como vanguarda única do processo que conduziria o proletariado ao poder e lançaria uma ordem nova, mas agora ampliando e diversificando os protagonistas e os seus instrumentos.
Já a ideia de «amabilidade» é bastante forçada. Ela constitui justamente a primeira qualidade que Lenine (e o leninismo, na realidade inventado por Estaline) jamais tiveram. Toda a ação de primeiro presidente do Conselho de Comissários do Povo da União Soviética e dos que na sua atitude se inspiraram, antes e após a revolução de 1917, foi determinada pela luta sem piedade, se necessário desencadeada ad hominem, contra todos os opositores. Particularmente daqueles que, no próprio campo do combate contra a ordem do capitalismo – da velha social-democracia ao primeiro bolchevismo – se levantavam contra as imposições de uma decisão política totalmente centralizada e que, de forma obsessiva, recusava toda a ideia de diálogo e de partilha com quem dela pudesse divergir à escala da mínima vírgula. O leninismo e a sua defesa inflexível e violenta da «linha justa» imposta pelo partido dirigente e único, transformando aliados em inimigos, é justamente uma doença e um obstáculo que desde há um pouco mais de cem anos tem ajudado a deformar a ideia de socialismo, cingindo-a a um modelo uno e dividindo aqueles que por ele se batem. Por isso, é extremamente perigoso, para não dizer de «mau gosto», usá-lo como referência para um programa que se propõe tonificar a esquerda e renovar a democracia dando «verdadeiramente» voz aos cidadãos.