A crítica mais justa que pode fazer-se a este texto será talvez a de ele não dizer nada de substancialmente novo. De retomar leituras e posições em relação ao papel desempenhado na atual sociedade portuguesa pelo Partido Socialista que foram já verbalizadas noutros momentos. Todavia, circunstâncias recentes tornaram-nas ainda mais atuais. Qualquer um que se dê ao trabalho, ainda que em observação ultrarrápida, de abordar a história dos congressos do PS, verá como desde o Segundo, ocorrido em Outubro de 1976, tanto nas resoluções aprovadas quanto, e sobretudo, na maioria das intervenções, não se ouvia uma linguagem tão politicamente à esquerda quanto aquela escutada este fim de semana. Ao ponto de, novidade absoluta na história do partido, se fazerem apelos formais a um corte com os setores do centro-direita com os quais nas últimas décadas ele tem preferencialmente dialogado ou governado. Bem vistas as coisas, aquilo que muitos socialistas parecem tentar fazer é o que ao longo dos últimos quarenta anos a maioria das forças à sua esquerda lhes exigiu constantemente: formalizar uma clara rutura com a direita e abrir-se a um efetivo diálogo «à esquerda».
Isto não significa, como será de esperar, uma mudança da complexa natureza política e sociológica do PS. Este é um partido republicano e laico, empenhado em políticas sociais mas essencialmente pragmático, hoje desideologizado no que respeita à relação com a antiga matriz social-democrata. Um partido defensor da liberdade política mas centrado numa versão caduca do modelo demoliberal. Um partido comprometido com os direitos humanos, com políticas de igualdade e com a modernização da sociedade, mas sem fazer deles bandeira diária. Tem sido também um partido advogado da economia de mercado, renitente a interferir nos interesses dos grandes grupos e muito marcado pela intervenção de dirigentes associados a dois dos mais aberrantes perigos da democracia representativa que são o caciquismo e a política de favores. Nada disto foi alterado da noite para o dia e basta descer ao nível das concelhias e do poder local para, não raras vezes, observar esses defeitos no seu esplendor. Todavia, tal coloca em causa duas realidades inquestionáveis: em primeiro lugar, não existir, no presente momento político, alternativa real ao governo de direita que não passe pelo PS como o mais que provável vencedor das próximas eleições; em segundo, que a construção de uma autêntica alternativa só é possível se forem assumidas escolhas que possam ser partilhadas por uma parte da sociedade que transcenda as suas fronteiras e áreas de influência.
Por isso, se é necessária, sem dúvida, a afirmação de propostas políticas autónomas, construídas e afirmadas à esquerda do PS, e que dele se distingam claramente, propondo programas ousados que ele jamais assumirá e batendo-se junto da sociedade por eles, é igualmente necessária uma aproximação pós-eleitoral assente, não na eventual partilha de cargos, o que seria absurdo, mas numa convergência básica capaz de inverter rapidamente a presente situação de catástrofe. Naturalmente, tal não se consegue de outra forma que não seja no confronto e na superação de certas diferenças, visando soluções objetivas para as vidas desfeitas dos portugueses. Essas soluções comuns podem ser irrealizáveis – e sê-lo-ão sem dúvida se cada uma das partes insistir em transformar os seus próprios programas em irredutíveis fortalezas – mas a sua possibilidade começa algures. Por exemplo, por conversas exploratórias. Jamais, como nos propõem repetidamente o PCP e o Bloco de Esquerda, arvorando o PS em inimigo principal, autoexcluindo-se a dez meses de distância de qualquer acordo pós-eleitoral, caluniando quem admita minimamente essa possibilidade e fornecendo argumentos àqueles que dentro do próprio Partido Socialista querem repetir as experiências do «bloco central». A isto chama-se irresponsabilidade política e um grave erro histórico.
Adenda – Já depois de publicado este post o PCP abriu pela primeira vez, através do seu secretário-geral, a possibilidade de conversações pós-eleitorais com o PS. Sob apertadas condições, naturalmente. Veremos.