Neste momento ninguém pode saber como vai acabar a «crise grega». Mas uma certeza parece ter-se instalado: a de que ela é cada vez menos exclusivamente grega, menos parte dos graves problemas que apenas enfrentam os governos da metade sul da Europa, dizendo cada vez mais respeito ao destino comum dos países e dos povos do Velho Continente. Ao mesmo tempo, a onda de choque produzida pela esmagadora vitória eleitoral do Syriza está a suscitar um despertar coletivo e partilhado para outra solução.
A irrupção na cena internacional de um governo que ousa resistir às diretivas impostas pelos burocratas de Bruxelas e de Berlim, que foi eleito com o compromisso público de colocar a vida dos cidadãos no topo das suas preocupações, e que para mais fala uma linguagem nova, direta, politizada mas distante do gasto jargão utilizado pela maioria dos políticos, dos economistas e dos jornalistas «mainstream», é um indicador de que não existe um caminho único, inevitável e inflexível, para a salvação da União Europeia. Mostra também que existem possibilidades para além da incondicional rendição face a uma política assente na austeridade, no recuo do Estado social, na penalização dos mais fracos e na desesperança. E mostra ainda que essa rendição não é solução milagrosa para o quer que seja.
Claro que existe quem duvide do êxito de uma viragem no caminho comum. E é verdade que de momento esta não pode ser garantida. Mas perante o que tem acontecido nos últimos dias, qualquer marcha atrás, produzida no sentido de forçar o governo grego a desistir dos seus objetivos e a «entrar nos eixos», de inverter qualquer possibilidade de mudança partilhada pelos europeus em favor da suposta racionalidade determinada pela lógica dos mercados, apenas será possível se os próprios gregos forem desqualificados por se terem enganado e «votado mal». Revelando por tal forma, em toda a nudez, a tentação musculada e antidemocrática que alguns responsáveis governamentais e partidários europeus têm considerado como moral e até necessária, embora, por pudor e receio dos seus eleitores, se esforcem por escondê-lo.
Decididamente, a ascensão do Syriza está a colocar a Europa perante desafios que remetem para um retorno à sua identidade de casa comum e a colocam perante um outro destino, que não o da cega aceitação dos antagonismos fictícios entre um Norte desenvolvido e um Sul atrasado, entre ricos bons e pobres maus, entre povos loiros e trabalhadores que criam e amealham e hordas de morenos preguiçosos que apenas sabem esbanjar e merecem o seu triste destino. Em entrevista concedida há poucos dias a um jornal australiano, Yanis Varoufakis, o novo e informal ministro grego das Finanças, aludiu à conhecida fábula de Esopo sobre as cigarras ociosas e as formigas diligentes para sublinhar que, se aplicada à proclamada clivagem entre duas «Europas», ela define um retrato tão enganador quanto perigoso.
Versão revista da crónica publicada no Diário As Beiras.