Há algumas semanas, quando consultava uma pasta de folhas datilografadas contendo dezenas de comunicações apresentadas em Maio de 1975 ao I Congresso dos Escritores Portugueses, surpreendeu-me – embora já para tal estivesse avisado – a multiplicidade de opiniões sobre a arte de escrever emergentes num tempo, o da nossa revolução democrática, do qual se possui por vezes uma visão demasiado simplificada. É verdade que nos debates então travados entre gente que dela fazia a sua profissão ou o seu destino surgiram juízos e propostas em apertada consonância com alguns dos fortes imperativos políticos da época. O escritor neorrealista Faure da Rosa não parecia ter dúvidas sobre o caminho que julgava dever ser percorrido: «Nada tendo de deuses, trabalhadores como os outros, a função do escritor de hoje é a de escrever para as massas.» Muitos dos presentes, embora de forma não tão simplificada, seguiram de facto o princípio de acordo com o qual a arte de pensar e de escrever deveria corresponder em larga medida à celebração de um compromisso social e político.
Essa não era, todavia, a posição expressa por alguém como Sophia, para quem, assim o frisou, «quando a palavra da poesia não convier à política, é a política que deve ser corrigida.» Diversos outros escritores acompanharam-na então no pressuposto de que o pensamento e a escrita deveriam deter uma dimensão autónoma, não compaginável com uma excessiva aproximação à simplificação exigida pelas tarefas da militância partidária e pelo discurso panfletário. Surpreendente hoje, pelas cautelas colocadas a alguns naturais entusiasmos, foi porém a intervenção de Agustina Bessa-Luís, naquela que terá sido talvez a mais profunda, embora, sem dúvida, também a mais hermética, das intervenções naquele Congresso. Releio-a: «No momento grave que enfrentamos – e digo que é grave porque exige gravidade especial do pensamento – não podemos condescender com aqueles que nos aconselham uma cultura fácil, acessível e benemérita. A esses eu quero lembrar que Hitler disse muitas vezes que não se devem abordar as massas com provas, argumentos e erudição, mas sim com sentimentos e crenças.»
Aquilo que hoje mais impressiona nessa longa intervenção da escritora é, porém, a sua inquietante atualidade. Numa época como aquela que vivemos, na qual a mensagem política é por toda a parte simplificada, reduzida ao menos denominador comum, despida tanto quanto possível de ideologia e de «provas, argumentos e erudição», vale a pena pensar nas palavras de quem, numa altura em que era difícil assumi-lo, defendeu em público, e perante uma assembleia em parte hostil aos seus argumentos, que «a maior prova da debilidade de um povo está em ser dirigido por um pensamento infantil e desatualizado», não devendo por isso o profissional da escrita condescender com ele. Admito que nunca apreciei particularmente a obra de Agustina, talvez por a ver pautada por uma linguagem algo datada, bastante contaminada por um condicionamento cultural conservador, mas é impossível deixar de admirar, neste contexto, a sua clarividência. E também a sua capacidade para antecipar o mundo de frases simples e de conversa fácil, de escrita e de literacia light, de infantilização do público, no qual agora vivemos.
Crónica publicada no Diário As Beiras.