Sempre procurei passar aos meus alunos a mensagem de que a política é, se não a mais sublime das artes, com toda a certeza uma arte indispensável. Sirvo-me da velha aceção de Aristóteles, para quem todo o humano era «zoon politikon», «animal político», ser social cuja vida apenas faz sentido quando integrada na experiência coletiva da polis, a modelar cidade-Estado da antiga Grécia. Na repetida tentativa de os envolver nesta ideia, costumo dizer-lhes que fora dessa experiência perdemos a humanidade, arrastando-nos como seres egoístas e transformando-nos em lobos, entregues à luta bestial pela sobrevivência, ou, como já no século XVII lembrava Thomas Hobbes, a uma infinita guerra de todos contra todos. Por outro lado, definindo a política como arte, não como uma mera experiência, procuro mostrar-lhes que para ser bem executada esta deve incorporar, em simultâneo, destreza, técnica e principalmente criatividade.
Durante décadas, em larga medida pela influência mediadora dos intelectuais públicos, que procuravam apresentar a intervenção política como uma atividade humana nobre e imprescindível ao dispor do gradual processo de definição de um mundo melhor e mais justo, a naturalização da política foi um processo relativamente fácil de transmitir. Hoje porém, sobretudo entre os mais jovens, a sua importância tornou-se particularmente difícil de demonstrar. A maioria, talvez porque é apenas isso que observa através dos meios de comunicação ou do contacto imediato, confunde política com intriga, com um jogo de bastidores ou uma dança de vaidades, com a mentira e o logro, com o favor pessoal e a arbitrariedade legitimada pelo voto, e por isso vê-a tantas vezes como um desprezível instrumento da iniquidade. E não adianta muito tentar mostrar que esse é o terreno escorregadio e opaco da «pequena política», da politiquice, não o do combate democrático vocacionado para o serviço dos cidadãos.
A política como experiência empírica, como mera «arte do fazer», ocupada com o betão e o asfalto, com a administração das conveniências, sem dimensão de futuro ou vislumbre de utopia, tende a acentuar esta lamentável tendência. Todas as sociedades, e todo o movimento que determina a sua história, remetem, já o lembrava Ernst Bloch, para a viagem rumo a um destino esperançoso, fixado o horizonte, ao qual é necessário, se não chegar, pelo menos pensar em chegar. É nessa viagem que reside verdadeiramente o valor da experiência política. Todos reconhecemos que passamos por tempos difíceis para erguer castelos no ar e para definir metas pensando o impossível, para «utopizar» para além das folhas de Excel, mas a redução da vida política ao voto ocasional e à gestão das cerimónias de inauguração e das ordens de serviço, incapaz de projetar a experiência do coletivo para além do real imediato, jamais será mobilizadora. Assim vivida, para os que têm todo um trajeto por percorrer e legitimamente querem sempre tudo, ela manter-se-á como território pantanoso e experiência entediante, pelos quais pouco se interessam ou que depreciam. Deixando nas mãos dos que pensam por eles a projeção do futuro.
Versão ligeiramente revista da crónica publicada no Diário As Beiras.