Sou, sempre fui, aquilo a que se chama um fumador moderado. Não sorvo o fumo – o meu pai, que consumia dois maços por dia e a última coisa que me pediu, dois dias antes de morrer, foi um cigarro, fazia aliás a mesma coisa – e, talvez por isso, sou capaz de passar vários dias sem exercer. Sendo para todos os efeitos um fumador, respeito no entanto os direitos daqueles que o não são, e desde cedo me habituei a perguntar a quem de mim perto estivesse, numa sala, num restaurante ou numa carruagem de comboio, se o meu fumo incomodava. Quando respondiam afirmativamente, nem pensava mais no assunto. Aceito, aliás, algumas das restrições que entre nós entraram em vigor no início de 2008, destinadas a proteger os não-fumadores e a reduzir o consumo do tabaco.
É provável que por isso tenha verdadeiro prazer no gesto ocasional de acender o cigarro e, por minutos, consumi-lo voluptuosamente, sem pressas ou preocupações. Na verdade, comecei a fumar há mais de cinquenta anos e não me recordo de alguma vez o ter feito por vício ou com desprazer. Talvez de início fosse, como acontecia com outros rapazes, para atestar a masculinidade («fumar é de homem», diziam-me). Depois, por algum tempo, foi também uma questão de estilo, tendo até ensaiado o cachimbo (o pobre Sartre penará no inferno também por isso). Existe aliás um belo livro, Cigarettes Are Sublime, de Richard Klein, que procura estabelecer a génese cultural e a continuidade histórica da dimensão estética (e ética) desse costume. Para não falar do prazer do mendigo, do soldado, do prisioneiro, do condenado à morte, aproveitando sempre o seu cigarro, literalmente, até ao último centímetro ou ao derradeiro momento.
Ainda assim, compreendo e aceito, repito, certas restrições impostas ao consumo. Mesmo não concordando com algumas teses de talhe fundamentalista que tendem a desvalorizar socialmente e a empurrar para uma espécie de ghetto quem por escolha pessoal conserve esse hábito, por mais de um século respeitado e mostrado como exemplo. De Marlene Dietrich a Winston Churchill, de Humphrey Bogart a Stravinski, de Camus, Brel e Gainsbourg a Che Guevara, de Tom Waits a Nicole Kidman. O que não posso aceitar é o delírio anti-tabagista e de mau-gosto que tomou conta de alguns legisladores, ampliado agora com a promessa mórbida de fazer acompanhar os maços de cigarros com reproduções de caixões de crianças. Isto, sim, parece ideia de alguém bastante perverso. Que talvez passe pela necessidade higiénica de um cigarro fumado lentamente, de dois copos de bom vinho, de um pouco mais de sexo. Depois que faça um pouco de corta-mato para desintoxicar.
Publicado no Diário As Beiras.