Quando se observa a formação do SYRIZA, o modo como conquistou a maioria do eleitorado e o apoio à atuação do seu governo, um primeiro fator de surpresa assenta na razoável coesão face à diversidade de organizações, tendências e expetativas que estiveram na sua génese. Uma segunda surpresa advém do facto de, mesmo na atual conjuntura de negociações e de dificuldade em cumprir o programa eleitoral, o SYRIZA ter vindo a ampliar a maioria alcançada nas urnas. Uma sondagem publicada no passado domingo pelo diário Avgi dá-lhe mesmo 48,5% das intenções de voto, enquanto o principal partido da oposição, a Nova Democracia, obtém apenas 21%, o Partido Comunista da Grécia e a Aurora Dourada 6%, o To Potami 5,5%, o PASOK 4% e os Gregos Independentes 3,5%. Um terceiro fator de surpresa, que mais diretamente nos diz respeito, resultará do exercício de comparação com o caráter acentuadamente fragmentado de boa parte da esquerda portuguesa e com o facto de, contrariamente ao que se passa na Grécia, qualquer esboço de diálogo entre as partes que a constituem tender sempre a colocar as diferenças à cabeça.
Sem contar de novo a história conhecida, recordo que o Synaspismós Rizospastikís Aristerás foi fundado em 2004, reunindo numa aliança eleitoral 13 partidos e organizações de esquerda separadas por importantes diferenças ideológicas e históricas, e que só em 2012 se constituiu como partido uno. Poderá dizer-se que o crescimento do seu projeto político foi precipitado pela situação da dívida grega e pelo esvaziamento dos partidos tradicionais, em particular do PASOK, largamente comprometidos com a corrupção, o mau-governo e as concessões feitas aos credores internacionais. Poderá compreender-se que a irredutibilidade tática do KKE, o partido dos comunistas gregos, em questões como a integração europeia, a política de alianças e o sentido tomado pelos movimentos sociais, terá limitado a sua capacidade de atração. Poderá ainda aceitar-se que a irrupção de uma linguagem renovada, e de propostas de rutura com o establishment, por parte do SYRIZA, terão também produzido uma crescente vaga de esperança e de simpatia. Mas nada disto seria suficiente para justificar um apoio popular e uma coesão política como aqueles que se têm verificado.
Na realidade, por paradoxal que tal possa parecer, a originalidade da esquerda que governa a Grécia tem estado, em primeiro lugar, na sua sábia capacidade para colocar à cabeça a vida das pessoas, procurando afastar as ameaças mais negras que pairam sobre o seu horizonte e promovendo um grande esforço para conter o processo de degradação da vida material e de recuo das condições de exercício da soberania nacional (já houve quem a considerasse porta-voz de um «patriotismo de esquerda»). Ela não está no lançamento de políticas que suscitem desnecessárias fraturas sociais, na apresentação de promessas belas mas irrealizáveis no imediato, de propostas mais vincadamente ideológicas que não sejam prioritárias e possam causar injustificado alarme entre muitos cidadãos, de decisões que rompam os laços com uma política comum europeia que deve ser redimensionada mas não reduzida a pó. Repare-se, aliás, que noutra sondagem, desta vez efetuada para a GPO e para a Mega-TV, somente 7,9% dos cidadãos gregos se mostrou a favor de uma rutura total entre Atenas e os seus credores externos.
A originalidade do SYRIZA e da sua «radicalidade» estará ainda, muito provavelmente, na perceção interna e internacional de que aquilo que está a acontecer na Grécia não configura os avanços e os recuos de uma reforma gradualista do modo de governar, ou então os sinais de uma revolução salvífica, mas, antes de tudo o mais, a luta pela sobrevivência de uma nação e pela dignidade de um povo. Esperemos que travada sob a forma de uma épica gesta e não como a representação de uma catártica tragédia. O futuro próximo o dirá.
Publicado originalmente no blogue Observatório da Grécia