Foram grandes as expectativas criadas em Portugal com a vitória do Syriza nas eleições do passado Janeiro. A direita no governo, apoiada por uma maioria dos órgãos de comunicação transformada em caixa-de-ressonância, rapidamente desenhou os piores cenários, considerando-a um erro de avaliação da parte dos gregos – obviamente entendidos como crianças grandes, politicamente menorizadas –, e antevendo, como consequência, o incumprimento do pagamento da dívida, tal como a saída da Grécia do euro ou mesmo da União Europeia. Ao mesmo tempo, um sobressalto transversal foi partilhado pela quase totalidade da esquerda e do centro-esquerda, traduzido numa visível simpatia pelo novo governo de Atenas e por alguns dos seus protagonistas, bem como num apoio expresso ou tácito às suas escolhas.
Foi assim que alguns militantes e dirigentes do Partido Socialista, bem como muitos dos seus simpatizantes e presumíveis votantes, exultaram publicamente com aquela vitória, embora, como era de esperar, desde o início outros a temessem ou rejeitassem de forma liminar. Foi assim que o PCP, sem apoiar expressamente o Syriza, se eximiu de o criticar, ao contrário daquilo que, como é sabido, tem feito o KKE, o Partido Comunista da Grécia, que o combate por lhe atribuir um papel de mera «muleta do capitalismo». Foi assim também que a nossa «esquerda da esquerda» apoiou incondicionalmente a experiência grega, assumindo como suas as suas escolhas, por muito que algumas delas, em particular aquelas que têm privilegiado os fatores de unidade e de moderação, sejam estranhas a muitas das suas opções políticas internas.
Aquilo que ninguém nesta área política fez foi, porém, prever a forte possibilidade da experiência grega falhar, suscitando uma onda de choque capaz de mergulhar no desânimo e de deixar sem um vislumbre de saída otimista, quem, por um exercício de vontade, numa primeira fase participou dessa exaltação quase unanimista. À hora a que escrevo ninguém poderá, é um facto, salvo se enveredar por um inútil exercício de adivinhação, traçar o desfecho desta etapa dramática da história da Grécia. Mas uma coisa é certa: todos, cá e lá, estamos a experimentar um banho de realismo, uma vez que poucas coisas aconteceram como o previsto. Um banho cujos efeitos na nossa perceção da coisa pública – e da relação da esquerda com a conquista e o exercício do poder na Europa de hoje – se encontra ainda por avaliar.
A dimensão do recuo do Syriza, tal como a das fraturas que por esse motivo este irá inevitavelmente conhecer, é ainda desconhecida. Como o é a capacidade do povo grego para conservar nas circunstâncias presentes o seu capital de esperança. Mas uma coisa é segura: uma vez mais está a ficar provado que não é possível moldar o curso da história apenas por um exercício de vontade ou com recurso a gestos de bravura. O que força sempre a procurar novas vias para reduzir os danos e evitar o pior, agregando forças de forma aberta e criativa com base no que é prioritário para a vida das pessoas e dos Estados. Governar a direito, essencialmente a régua e esquadro e na rejeição da democracia, tentaram-no Hitler ou Estaline, com os resultados que se conhecem. Só ao procurar consensos, unindo o que houver a unir, se poderá conhecer o modo de evitá-lo. Neste domínio o Syriza tem sido exemplar. Pelo menos até agora.
Publicado também no Observatório da Grécia.