Em regra, quem decide as eleições nas democracias representativas europeias são os cidadãos «moderados». Aqueles eleitores que habitualmente se eximem de ter opinião, que não se batem por causas, e que pretendem, acima de qualquer outra coisa, obter o que julgam menos mau para o seu sossego e bem-estar. Desejam sempre uma solução que seja a menos inquietante, traduzida numa forma muito simples de delegação da soberania. E por muito que tal não seja simpático a quem tenha da experiência da cidadania uma noção mais empenhada, temos de admitir que quando assim não acontece tal significa que se vive numa sociedade com elevado potencial de conflito e de violência. Compreende-se deste modo que qualquer partido com a ambição de ser governo precise de ter em linha de conta esse universo, concebendo as suas propostas e a sua imagem pública em função das expectativas que ele contém.
Em Portugal, têm sido o PS e o PSD os partidos que disputam este setor, concebendo estratégias de sedução que o atraiam para o seu campo. Se, por um lado, do ponto de vista da estrita contabilidade eleitoral se compreende esta atitude, pois se a abandonassem de todo perderiam as eleições, por outro é ela a principal responsável pela criação de uma nebulosa política que tende a diluir a identidade desses partidos e a empurrá-los para um «pacto de interesses» que na verdade os aproxima frequentes vezes. É esta a origem da estabilidade do «arco da governação» que tem dominado Portugal nos últimos quarenta anos. Naturalmente, não se antevê que qualquer destes partidos seja suicidário ao ponto de pôr em causa este equilíbrio.
Mas se para o PSD esta é uma condição natural, o PS de António Costa, que emergiu da recente crise interna com o que afirma ser uma leitura crítica do seu próprio passado, encontra nessa inevitabilidade um perigoso antídoto para a capacidade de «reidentificação à esquerda» que ainda há pouco parecia querer prometer. Esta não questionaria, obviamente, a ligação com o eleitorado moderado, mas implicaria uma carga de renovação e de mobilização política que fosse capaz de compensar a habitual estratégia de captação dos «moderados» através da exibição de um perfil que os não afugentasse. Uma estratégia que comportaria sempre riscos, sem dúvida, mas que seria a única forma de construir à volta do partido uma vaga de mobilização que, com um discurso rejuvenescido, o projetasse para o poder de Estado sem ter de recorrer forçosamente à adoção de uma atitude dócil perante aquele setor cinzento do eleitorado.
Todavia, os sinais não apontam nesse sentido. Dou dois exemplos. O primeiro diz respeito à desastrosa pré-campanha em curso, na qual predomina um evidente esforço para captar o eleitorado politicamente mais recuado. Pois como interpretar os outdoors que pretendem oferecer aos eleitores a imagem de um António Costa de baixa intensidade política, de fato cinza e semblante sereno, falando em abstrato do «rigor» da sua eventual governação? Ou aqueles outros, em fundo verde-rubro, que apelam a uma inócua «alternativa de confiança»? São palavras e imagens que têm todas as condições para aquietar algum desse eleitorado temeroso, mas ao mesmo tempo indisporá quem espera outra solução, outra intensidade e não deseja «mais do mesmo».
O segundo exemplo diz respeito à posição que tem vindo a ser expressa a propósito da Grécia e das propostas do Syriza para a resolução do problema da dívida pública. Sabemos que o PS não tem uma matriz política próxima do partido que fundamentalmente dá corpo ao governo de Atenas e é natural que tenha argumentos diferentes; acontece, porém, que após ter inicialmente visto as suas propostas com aparente simpatia, tem vindo a demonstrar uma desconsideração que exclui qualquer esforço visível para, como lhe competia, e até em nome dos interesses nacionais no contexto europeu, ter um papel ativo destinado a evitar o isolamento a que o governo grego, eleito democraticamente de forma tão expressiva, está a ser sujeito. Sabendo-se aliás que, caso este caia, na Grécia a direita regressará ao poder. Omitindo qualquer defesa de uma atitude de compreensão para com o governo de Tsipras, classificando-o como «imprudente», está a mostrar-se como partido temeroso – «responsável», dirá de si próprio –, que não parece capaz de ultrapassar a fronteira mediana da «moderação».
Neste contexto, não é de admirar que o Partido Socialista esteja a descer nas sondagens, deixando que a coligação no poder recupere forças. Na verdade, nesta situação talvez o eleitorado «moderado» prefira não levantar ondas, deixando-se ficar como está. Quanto ao outro lado da cidadania, mais exigente, que desconfia do «tom sereno» e prefere quem saiba falar alto em nome da coisa pública, esse poderá virar-lhe as costas. Nem que seja pela abstenção. O que será mau, muito mau.