Não gosto de me ver forçado a escolher entre um «sim» categórico e um «não» definitivo. Nem de inabaláveis certezas. O interesse pessoal e profissional pela história ajuda-me a reforçar esta relutância, oferecendo a noção de que jamais um não é um absoluto não ou um sim um completo sim. Também não gosto de escolher o «talvez», por traduzir quase sempre um cómodo gesto de evasão ou um cómodo diferimento. Por isso suspeito dos referendos, de todos eles: normalmente empenham-se em simplificar o complexo, transformando em imperativo supostamente perfeito aquilo que sempre é temporário e relativo.
Todavia – desta palavra, sim, gosto bastante –, existem momentos da nossa vida partilhada em que não é possível fugir a tomar uma posição que seja, ainda que provisoriamente, taxativa. Como quando, em tempo de guerra, se torna impossível fazer de contas que nada do que está a acontecer em redor é connosco, deixando que os outros se arrastem no fogo e na devastação enquanto dormimos a sesta ou nos refrescamos. Aqui, quando não há escolha senão a de trucidar ou a de ser trucidado, calar e correr à margem deixa de ser um gesto de liberdade e transforma-se numa expressão de cobardia. Ou de cumplicidade com uma das partes, sem a coragem de admitir que é esta ou aquela a nossa escolha no conflito.
Por isso, no que diz respeito àquilo que está nesta altura a acontecer com a Grécia, não pode haver lugar para fazer de conta que existe escolha que não passe por estar de um dos lados em contenda. Na verdade, ou se está com quem se opõe aos ditames impostos pelo Eurogrupo e pelos credores, defendendo uma atitude verdadeiramente negocial que permita aos gregos, ainda que com sacrifícios, saírem do ciclo infinito da austeridade, da miséria e da instabilidade, ou se aceita a posição de quem quer impor aquilo que, apresentado como inevitável – «a p… da realidade», como há dias lhe chamava José Pacheco Pereira numa intervenção no Fórum Lisboa –, será sempre uma forma de capitulação da soberania, da democracia e do bem-estar aos quais todos, e os gregos não menos que os outros, temos direito.
No estado a que as coisas chegaram, o que está a passar-se com a Grécia é, de facto, um episódio de guerra, em relação ao qual é possível apelar à moderação e ao equilíbrio, mas é inadmissível sustentar a indiferença e um farisaico lavar de mãos perante o sofrimento de quem supostamente merece sofrer. Aqui não há escolha que não seja cúmplice com um dos lados da contenda que está a perturbar uma dividida Europa. E, já que não vivemos no paraíso celeste em que o presente governo de Portugal quer fazer crer que vivemos, essa será uma escolha que de uma forma ou de outra se refletirá também no nosso futuro imediato.
Artigo publicado no Diário As Beiras.