Com informações que chegam de diversos lados pode reconstituir-se boa parte daquilo que aconteceu desde a tarde de domingo até à madrugada da passada segunda-feira naquelas salas do edifício de Bruxelas onde decorreu o encontro de chefes de Estado e de Governo. Ao fim de 14 horas de reunião, já ninguém estava em condições de pensar e de decidir de forma serena e equilibrada sobre o que fazer com a dívida grega, pelo que as decisões dali saídas, sendo graves, permanecem em parte negociáveis. Apenas duas coisas parecem ter resultado definitivas daquela amarga maratona negocial: de um lado, a instalação de uma crescente divisão entre os países do norte, comandados pela Alemanha e pela Holanda, e os do sul mediterrânico – com a vergonhosa exceção de Portugal, pois até a Espanha se mostrou mais prudente –, traduzida na defesa da expulsão da Grécia da zona euro ou no dever de a evitar; do outro lado, a imposição de uma situação de cerco, chantagem e humilhação ao primeiro-ministro Alexis Tsipras, confrontado com a inevitabilidade de «morder o pó» e ter de se remeter a uma posição defensiva. O seu estado de tensão e de evidente exaustão foi, no entanto, superado pela exibição de coragem e de maturidade política, traduzidas na capacidade para se bater até ao fim, num combate desigual, para tentar, se não evitar, pelo menos reduzir o impacto da catástrofe que parecia já inevitável.
Fosse para onde fosse que se voltasse, o cenário era aterrador. Aceitar as sucessivas imposições de uma política austeritarista que jurara combater, ou admitir a saída instantânea e desordenada do euro, e com ela a fulminante bancarrota do país, a instalação do caos social, a insolvência de um grande número de empresas, o encerramento de serviços públicos essenciais, a trágica falta de comida e de medicamentos, a rápida disseminação de manchas de fome e, muito provavelmente, a instalação da violência nas ruas, com uma eventual entrada em cena dos militares. Na situação em que estava, o que Tsipras fez, seguramente contra a sua vontade e os seus princípios, foi escolher o mal menor, recuando de forma estratégica para evitar a destruição do seu país. «Assumo a responsabilidade por todos os erros que possa ter cometido, assumo a responsabilidade por um texto em que não acredito, mas eu assinei-o para evitar o desastre para o país, o colapso dos bancos», disse, talvez um pouco mais dormido, dois dias depois. Ao contrário daquilo que, 25 séculos antes, fez Leónidas, o rei e general que tentou, com apenas 300 espartanos – mais mil naturais de Téspis e de Tebas que a história e a lenda têm tantas vezes esquecido –, suster no desfiladeiro das Termópilas o descomunal exército persa resistindo até à morte de todos os combatentes, Tsipras escolheu reagrupar forças para sobreviver e continuar a lutar.
Ora é isto que, um pouco por todo o lado, na Europa, e por isso também na Grécia ou em Portugal, alguns dos comentadores que têm a vida das pessoas na ponta da língua apenas quando esta serve a sua teoria, as suas bandeiras e o modelo de sociedade ideal que ambicionam construir, se estão a mostrar incapazes de aceitar ou mesmo de compreender. É algo chocante observar o número dos até há pouco inexcedíveis «adeptos do Syriza» e da intervenção política de Tsipras que, perante a escolha dramática e brutal imposta em Bruxelas, estão, de uma forma leviana e politicamente precipitada, a condená-los agora como «traidores» e «capitulacionistas», desertando para o lado do ceticismo ou do aventureirismo. Justamente nesta altura, quando mais necessário se torna repensar a situação dramática do povo grego e reunir forças para, em conjunto com as forças que se opõem à nova tirania do eixo Berlim-Bruxelas, e sob as duríssimas condições que se conhecem, fazer renascer das cinzas uma Europa que não seja a dos bancos e dos especuladores, mas a da solidariedade, dos povos e das nações. Pois, como dizia há dias Slavoj Žižek – não sei se depois de segunda-feira manterá esta posição, mas isso agora não importa – «esta é uma chance para a Europa acordar».
Artigo publicado no Observatório da Grécia.