Bastante mais tarde que o desejável, chegamos ao fim de uma legislatura que ficará na nossa história recente pelas piores razões. Problemas determinados por escolhas erradas e ampliados pela crise financeira internacional iniciada em 2008 ocorriam já, sem dúvida, antes de ela começar. No entanto, estes quatro anos têm sido particularmente violentos, em larga medida porque a coligação PSD-CDS, tal como repetidamente afirmaram os seus responsáveis e comprovam as medidas que foi adotando, entendeu aproveitar o grave contexto de crise para, com a conivência do presidente da República, promover um programa revanchista e rancoroso de ataque ao setor público. Um programa «para além da troika», jamais referendado e destinado a vingar as derrotas e os limites que a direita politica teve de ir aceitando nas quatro décadas de democracia.
Mas tal como é do caos que nasce a luz, estes quatro anos de empobrecimento e de desânimo coletivo abriram também uma nesga de esperança, associada à possibilidade de ver emergir um novo tempo político. Na hipótese de superar o ciclo rotativista, centrado na exclusiva gestão dos partidos do «arco do poder», que conduziu ao ponto em que nos encontramos e se mostra agora claramente esgotado. A expectativa está, pois, depositada na capacidade que a esquerda política possa demonstrar para, apesar das diferenças e rancores que historicamente a têm atravessado, e das dificuldades que não desaparecerão por um passe de mágica, ser capaz de oferecer aos portugueses um caminho para escapar ao ciclo assassino em que se viram mergulhados.
O Partido Socialista, desvitalizado por décadas sem uma orientação politica clara e ambiciosa, trocada com frequência pela gestão de interesses e por uma governação desenhada à vista, encontra-se numa encruzilhada. Por muito que procure oferecer uma ideia de coesão interna, percorrem-no fendas das quais pode vir a resultar a sua queda, numa «pasokização» à grega que seria perniciosa para a própria democracia, mas também, embora mais dificilmente, o rejuvenescimento da sua identidade original social-democrata e republicana. Foi em parte baseado neste pressuposto que emergiu a liderança de António Costa, restando saber até que ponto é esta capaz de limitar os ímpetos de pardo acomodamento impostos pelos setores reunidos numa trama de conveniências com raízes profundas.
As estratégias adotadas pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda, divergentes mas, pelo menos na aparência, cada vez mais próximas, têm sofrido também algumas alterações. É verdade que ambos, apesar de o negarem constantemente, continuam a recusar assumir-se como solução de governo, permanecendo essencialmente instalados, mesmo num contexto de gravíssima crise nacional, numa lógica de protesto que os configura como politicamente imaculados, alheios a uma solução que não passe pela afirmação dos seus próprios programas. Mas também é verdade que alguns dos setores que os integram começam a reconhecer, ainda que talvez de uma forma nebulosa, a necessidade de superar essa condição de estranheza em relação à participação nos espaços de decisão e à representação de setores social e politicamente transversais.
É neste contexto que, à escala de quem apenas inicia o seu caminho, gradualmente tem emergido a candidatura cidadã do Livre/Tempo de Avançar, cuja ambiciosa missão consiste, em boa parte, em tentar contribuir para superar este estado de coisas, propondo uma alternativa política própria que promova uma colaboração entre as várias esquerdas. Uma colaboração com capacidade para superar o atual estado de emergência e iniciar a recuperação do país. A sua proposta não incide na tentativa de interferir como muleta numa estratégia de poder conduzida previsivelmente pelo PS, mas num esforço para ajudar a construir um espaço vocacionado para uma convergência mínima, de média duração ou pontual, partilhada à esquerda.
Isto traduz-se na defesa de princípios essenciais – a rejeição da austeridade pela austeridade, a renegociação da dívida, o relançamento do investimento público e a dinamização do consumo, o fim da precariedade e a proteção do trabalho, o resgate das pessoas e das empresas, a devolução da política aos cidadãos, a reconsideração do lugar de Portugal na Europa – que possam ser partilhados com firmeza pelos partidos da esquerda e por muitos cidadãos que se têm afastado do processo político. É nesta direção que o Livre/Tempo de Avançar se propõe intervir como instrumento de uma dinâmica de convergência e de mudança capaz de produzir uma alternativa e de devolver a esperança às pessoas. Por isso, apoiar as suas propostas em 4 de Outubro, longe de «dividir a esquerda», será uma escolha útil.
Versão ligeiramente modificada do artigo publicado no Diário As Beiras.