Começo por uma nota autobiográfica. Só por duas vezes, ambas distantes, vivi as eleições presidenciais com genuíno entusiasmo. A primeira foi em 1976, quando da campanha eleitoral de Otelo Saraiva de Carvalho, tomado por muitos portugueses, entre os quais então me incluí, como capaz de se opor à reversão do processo revolucionário português que havia sido lançada com o 25 de Novembro. A segunda vez foi dez anos depois, com a candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo, projetada já contra a implantação do «reino dos falsos avestruzes» – a expressão foi cunhada nessa altura por João Martins Pereira, aplicando-se aos protagonistas de uma política de interesses feita a contracorrente dos ideais de Abril – cúmplices de uma democracia formal, cinzenta e amputada. À exceção desses dois momentos, o meu voto foi, nas presidenciais, sempre um voto útil, depositado em quem me parecia estar em melhores condições para impedir a vitória do candidato da direita ou que com esta aceitava pactuar. Como infelizmente acabou por acontecer há uma década, deixando o país e a república representados pela figura rústica, timorata e retrógrada da qual agora nos despedimos.
Em circunstâncias diferentes, é esta a mesma ideia que me move na presente e pouco mobilizadora campanha eleitoral. Uma parte importante da esquerda, que recentemente tão bem soube encontrar uma solução política realista, capaz de afastar os partidos da direita do poder, está agora a repetir antigos sinais de incompatibilidade tática e programática, na perigosa convicção de que, sendo claramente majoritária em termos de eleitorado, será sempre capaz de numa segunda volta derrotar o candidato mediático e circense, supostamente consensual, que a direita soube encontrar para contrabalançar a afirmação do novo tempo político que o atual governo protagoniza. Trata-se de um erro que pode pagar-se muito caro.
Deixando de lado os candidatos voluntaristas e mais ou menos folclóricos que não terão qualquer hipótese de agregar uma votação significativa, ficam de parte quatro que influenciarão, por certo, as escolhas dos eleitores de esquerda. Dois deles, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, apresentando as suas candidaturas como de uma dimensão suprapartidária, são, a acreditar nas sondagens, aqueles que mais possibilidades terão de passar a uma segunda volta e de nela enfrentar com algumas possibilidades de êxito o candidato travestido da direita.
As outras duas, dada a sua dimensão essencialmente partidária, poucas ou nenhumas possibilidades terão de reunir condições para passar a essa segunda volta. Marisa Matias, numa campanha muito bem conduzida (como, de resto, o foi a do Bloco de Esquerda nas legislativas), evidencia um conhecimento dos dossiês, um discurso de abertura e uma combatividade que não deixam de ser admiráveis, mas não se aproximará sequer do universo recém-alargado dos eleitores do seu próprio partido. Edgar Silva, por sua vez, é um candidato assumidamente de resistência, destinado, com a sua linguagem austera e previsível, a reunir, como seu porta-voz, quem na área do PCP se preocupa mas com a manutenção de uma identidade programática que com uma efetiva alternativa.
Restam assim os dois candidatos que, dividindo o PS, se procuram apresentar como capazes de juntar vontades para fazer frente a Marcelo Rebelo de Sousa. A candidatura de Maria de Belém Roseira é, visivelmente, aquela que tem menos hipóteses de o conseguir, pois representa no essencial a vertente mais conservadora e politicamente desvitalizada do Partido Socialista, tendo por rosto uma figura que, para além de um percurso ambíguo e de um discurso político inócuo e redondo, se considera, de uma forma politicamente bastante significativa, capaz, como disse em entrevista ao Diário de Notícias, de estar «em melhor posição para ter votos também à direita». A sua hipotética corrida contra Marcelo, numa segunda volta, apenas possível se existir uma grande dispersão de votos nas candidaturas do Bloco e do PCP, estará sempre condenada ao desastre. Para além de nada de bom prenunciar como sinal de revalorização do cargo presidencial.
Fica assim patente a importância e a dimensão realmente alternativa da candidatura de António Sampaio da Nóvoa. Pode não corresponder à de um cidadão com grande lastro de presença mediática – coisa que, aliás, não tem sido contrariada por uma campanha politicamente sóbria e visualmente pouco apelativa – mas representa a materialização de uma atitude social assumidamente abrangente e de esquerda, protagonizada por um candidato informado e culto, academicamente prestigiado, reconhecidamente democrata, humanista e pacificador, da qual tanto precisamos neste tempo, que é o de um país em convalescença. Por isso o apoio. E por isso também apelo a quem me queira acompanhar a que, pondo momentaneamente de parte simpatias pessoais e fidelidades partidárias, nele vote, reforçando a única possibilidade real de levar à segunda volta a candidatura capaz de vencer o candidato mistificador e perigoso que a direita unida deseja no poder.