Os que mais sofrerão com o clima de ódio e o bloqueio institucional no Brasil serão, como sempre, «os de baixo». É o povo brasileiro. O povo mesmo, aquele que não tem voz, que trabalha e sobrevive graças ao engenho, à largueza da terra e a algum apoio do Estado. Será também boa parte da classe média, débil aqui como em todo o lado, logo que uma crise se instala. Mas temo também por aquilo que acontecerá aos músicos, intelectuais, escritores, poetas, atores, cineastas, apresentadores, jornalistas, professores, filósofos, religiosos, e tantos outros, que com a voz, o corpo e a escrita têm tentado incutir um pouco de racionalidade, tolerância e sentido de justiça e de beleza na vida social, nos meios de comunicação e no sistema político.
Se o pior acontecer, se é que já não está a acontecer, serão os primeiros a ser ameaçados, perseguidos, isolados, insultados, impedidos de uma vida normal na qual usufruam a liberdade de expressão e de crítica que é a matéria primordial do seu trabalho. Como aconteceu, tal e qual, no tempo da ditadura. E desta vez nem será preciso usar a polícia e os torturadores profissionais. Alguns jornais e televisões colaborarão na denúncia e isolamento, apontando à turba, cega pelo controlo da opinião pública, onde estão os subversivos a precisar de corretivo. Espero muito, muito mesmo, enganar-me nesta projeção. Talvez o povo brasileiro acorde do torpor e impeça o retorno ao inferno que já viveu. De onde só apetecia fugir. Quando, como na cantiga de Chico Buarque, a muitos só restava dizer, lá de longe, bem longe, «bye bye, Brasil».