Intervenho publicamente no campo da opinião desde há muito, com uns quantos textos ainda objeto de cortes sérios ou liminarmente proibidos por uma censura nada compreensiva, e por isso também há muitos anos aprendi que é de todo impossível controlar a forma irregular como, quem saia do seu recanto pessoal e decida escrever para os outros, pode ver lidas e interpretadas as palavras que utiliza. Não me refiro a meras opiniões – essas, sempre legítimas, quanto mais plurais e propagadas, tanto melhor – mas sim, insisto, às leituras e interpretações. Em muitos casos, trata-se de frases retiradas do contexto, ou mesmo deturpadas, que proclamam termos dito aquilo que jamais dissemos. Ainda pior, palavras abusivas que bastantes vezes colocam na nossa boca justamente o contrário do que pretendemos dizer. Ou então que resultam de uma leitura apenas parcial do que foi escrito. É um risco que corre quem escreve, mesmo quando se esforça na clareza, vinculado ao velho princípio segundo o qual quem anda à chuva acaba molhado. Não sendo por isso, todavia, que no inverno se tranca em casa.
A situação alterou-se muitíssimo com a expansão da Internet, onde qualquer um(a) hoje escreve o que quer e num instante o publica, muitas vezes sem grande espaço para pensar ou condições que possibilitem um sereno contraditório. Ou então, são tantos os casos de má interpretação que para quem escreve seria impensável dialogar com cada intérprete que altere ou deturpe o que escreveu. Aliás, em certos desses casos o interlocutor reage muito mal, insistindo em proclamar a sua versão alternativa. Até há algum tempo nem se dava pela maioria das interpretações erradas, das leituras truncadas e das invenções, ou o seu alcance não justificava o incómodo de lhes responder, mas agora elas podem ter algum impacto e induzir graves equívocos. Nestes vinte e cinco anos de vida em rede, diria que já li, sobre textos que publiquei, matéria suficiente para publicar um grosso volume sob o título «Aquilo que jamais escrevi». Contra isto, como diz o povo, batatas: nada a fazer. Há só que ter paciência esperar que os danos sejam mínimos e passageiros. É um preço que se paga, mandando à fava quem tiver de ser.