Sei dizer com toda a precisão onde me encontrava há exatamente 50 anos. Estava em casa dos meus pais, seguindo através de um velho rádio, em ondas curtas, uma espécie de relato em direto, transmitido por diversas estações internacionais, dos primeiros momentos da Guerra dos Seis Dias. Estou a falar, é claro, do conflito armado que entre 5 e 10 de Junho de 1967 opôs Israel a uma frente de países árabes – Egito, Jordânia e Síria –, apoiados pelo Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão, concluído com a derrota humilhante da coligação e com a ocupação israelita de novos e imensos territórios.
Admito que na altura, levado por um heroísmo romântico juvenil, seduzido pelo idílico socialismo kibbutzin, e consciente de um anti-semitismo ainda dominante na Europa, tomei o partido de Israel, que olhava como um David familiar lutando contra um bárbaro Golias. Mas se jamais deixei de aceitar o direito de Israel a uma existência histórica, rapidamente desenvolvi a perceção, que hoje mantenho, de que a solução passa pela afirmação de dois Estados vizinhos e pacíficos, ou, melhor ainda, tal como defenderam Edward Saïd e Amos Oz, por um único Estado, necessariamente laico e com direitos iguais para todas as religiões e povos que vivam no seu território, libertando por uma vez os palestinianos do seu longo jugo como párias, e os judeus israelitas da condição de sitiados.
Infelizmente, foi a Guerra dos Seis Dias, ampliando as regiões ocupadas e colocando no poder os «falcões» sionistas, e ainda humilhando os Estados vizinhos, que rompeu definitivamente com a possibilidade, no início da década de 1960 ainda em cima da mesa, de a esquerda israelita, até aí maioritária no Estado hebraico recém-criado, conseguir negociar uma solução equitativa. Aliás, em 1973, a Guerra árabe-israelita do Yom Kippur ainda iria piorar as coisas. Do outro lado, a substituição do «socialismo árabe» pelo crescente impacto, nos países vizinhos, do islamismo e do poder dos petrodólares, a par da necessidade de resposta à direita militarista israelita, tornou tudo mais difícil.
Assim se tem mantido uma guerra que tem acentuado a injustiça e o ódio, terrível em particular para os mais frágeis, que são os palestinianos, forçados à mesma espécie de diáspora que em tempos tornou os judeus errantes, e para a qual não se vislumbra solução a curto prazo. Salvo no curto período da aproximação entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, de facto desde há 50 anos que o cenário de injustiça e violência se mantém sensivelmente idêntico. É claro que, quando então escutei o tal relato pela rádio, jamais me ocorreu que tal pudesse acontecer. O curso da História não passa por marcações prévias.
Fotografia: Associated Press