Infelizmente, o caso do Ventura de Loures, exprimindo o aproveitamento de sentimentos racistas como arma de luta política, não parece ser um mero e circunstancial episódio da vida portuguesa. Bastou a sua divulgação e repercussão pública nos meios de comunicação para que emergissem por todo o lado – em artigos de jornal, comentários das redes sociais, ou mesmo em declarações de algumas forças partidárias – posições tendentes não apenas a dar ao figurão uma importância que este jamais teve, como a mostrar que, afinal, sentimentos sociais tão primários e destrutivos podem ter o apoio de muitos eleitores.
Ainda há alguns meses existia quem considerasse que o uso de determinados preconceitos para propor soluções políticas tendencialmente autoritárias e populistas – não discuto aqui este termo, uso-o apenas no sentido mais comum -, não teria lugar em Portugal, o decantado país «de brandos costumes». Dizia-se que este país jamais teria, por exemplo, políticos como Trump ou Le Pen. E também não seria uma Hungria ou uma Polónia. Hoje, porém, já não me admiraria se, com um pouco mais de capacidade oratória e gosto na vestimenta, um artista como este de Loures, de repente, com alguma projeção mediática se tornasse o herói do pior revanchismo de direita e corporizasse uma vaga de ódio e de medo a verter nas urnas.
É cedo para isso? Sê-lo-á, por certo. Mas toda a gente sabe que o ovo da serpente, sendo acalentado lentamente, estala e liberta o réptil em pouco tempo. Desde Maquiavel que a teoria política reconhece a facilidade com que «o veneno contido na natureza humana» pode ser disseminado entre os cidadãos. Entre o frio secretário da República de Florença e Jean-Jacques Rousseau, que pregava o oposto, eu prefiro o segundo, evidentemente. Mas não sou crédulo em relação ao caráter absoluto e irreversível da bondade natural dos meus semelhantes. A História tem-me dado razão.
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