Negar ou desculpar, como tem vindo a acontecer nos últimos tempos, os crimes numerosos, continuados e em muitos casos brutais do estalinismo, o original e as suas variantes, pode ser feito com intenções diversas daquelas invocadas pelos que negam os horrores do nazismo e dos vários fascismos, mas tem, no plano político e no campo da ética, rigorosamente o mesmo valor. Ainda que as razões de cada um dos dois modelos centralistas e repressivos do século passado tenham sido diferentes, e, sem dúvida, em alguns casos foram até opostas, ambos assentaram na consideração da vida humana como algo de instrumental e descartável, colocado sempre na dependência dos seus projetos de engenharia social e de manipulação do tempo histórico.
Pior quando, para procurar sustentar essa negação, não só se rejeitam as evidências da História, como se deturpa ou esconde, como se não existisse ou fosse resultado de propaganda do inimigo, o conhecimento histórico adquirido ao longo das últimas décadas. Ignorando que este assenta, não em meras opiniões ou na propaganda herdada da Guerra Fria, mas em documentos, testemunhos e dados comprovados, alguns deles reconhecidos na União Soviética logo após a morte de Estaline. Desenvolvendo-se tal negacionismo justamente quando um enorme volume de estudos, referendados no plano académico e muito diversificados, têm sido produzidos e publicados, provando que a imensa maioria das vítimas foi composta de cidadãos comuns ou mesmo, em muitos casos, de empenhados comunistas, equiparados a «contra-revolucionários».
O mais preocupante, porém, é quando a negação, a deturpação ou a desvalorização da história se destinam a legitimar escolhas políticas que se deseja aplicar ou apoiar no presente, o que é feito em particular por um segmento da esquerda que reivindica, sem qualquer vergonha, pelo menos parte da herança estalinista. Ao mesmo tempo, neste processo a direita tem dado boa ajuda a quem o faz, pois ao apropriar-se, por mero oportunismo ou como exercício de retórica, de valores de liberdade e de respeito pelos direitos humanos que jamais foram os seus, e ao transformar a denúncia do estalinismo em propaganda anti-comunista e anti-esquerda, facilita a disseminação das deturpações dos negacionistas. É, pois, imprescindível que a esquerda plural mantenha um olhar atento e conhecedor sobre a história do socialismo. Sem nada varrer para debaixo do tapete e aprendendo com os erros.
Imagem: As botas de Estaline. Restos da estátua derrubada em 1956 em Budapeste