Proponho um pequeno e valioso livro do escritor e intelectual israelita Amos Oz há pouco editado pela Dom Quixote. Caros Fanáticos reúne três artigos onde se procura compreender o flagelo contemporâneo do fanatismo, fazendo a apologia da moderação e do conhecimento como seu antídoto. Oz, convém recordar, é uma personalidade com um posicionamento particular em Israel: adepto de um pensamento laico e democrático, é de há muito uma das vozes mais relevantes entre aquelas que defendem para o longo conflito israelo-palestiniano uma solução de dois Estados pacíficos e pluralistas, em condições de colaborar entre si.
O autor destaca a antiguidade do fanatismo, que recorda ser «mais velho do que o Islão, do que o Cristianismo, do que o Judaísmo», declarando que a sua própria infância em Jerusalém, cidade de encontros e de conflitos, o havia convertido numa espécie de «especialista em fanatismo comparado». É a experiência desta «especialização» que procura transmitir ao longo destas páginas, esforçando-se por explicar o ódio instalado e sobretudo por mostrar a sua inutilidade.
O fanático «tem tendência a viver num mundo do preto e branco, no western simplista dos bons contra os maus», mostrando-se sempre «como alguém que só sabe contar até um». É inflexível para com os outros, rejeitando a diferença e a dúvida, e transformado essa intransigência em repulsa pelo diferente, na exclusão de quem não partilha das suas convicções. No limite, na justificação da violência, por vezes a mais extrema, contra os que exclui do mundo que preconiza. Por isso, onde se instala o fanatismo apenas semeia rancor e destruição, jamais aceitando entender o outro. Além disso, odeia a democracia, uma vez que esta se alimenta da diversidade que detesta.
Não se ensina aqui a combater o fanatismo no terreno, nas montanhas do Afeganistão, nas cidades da Síria ou nos bairros (sejam eles periféricos ou não) das grandes metrópoles europeias, onde são a força das armas e a coação que o impõem ou que procuram contrariá-lo. Pelo contrário, o que se pretende com Caros Fanáticos é antes entender a sua natureza e o modo como se espalha, combatendo-o lá onde é realmente mais eficaz fazê-lo: nos ambientes e nas consciências em que se formou quem o adota como modo de vida e filosofia da morte.
Na verdade, existem géneros de fanatismo muito diversos, por vezes menos evidentes, menos ruidosos, instalados até nas consciências dos que julgam combatê-los. São os impostos a partir de convicções absolutas de natureza ideológica ou religiosa, mas também aqueles que se unem a certas filosofias de vida: os antitabagistas dispostos a queimar vivo quem acenda um cigarro por perto, os vegetarianos ou vegans que ameaçam ou insultam quem coma carne, e até, como escreve Oz referindo-se à realidade de Israel, certos pacifistas que não aceitam a ideia de paz de outro modo que não seja o fundado numa ordem política injusta, opressora e imposta pela força. Até o conceito de multiculturalismo se transformou em muitos lugares, nas mãos dos fanáticos, em fator de ódio identitário.
O contraveneno, sublinha o escritor, só pode encontrar-se na compreensão, na compaixão, na simpatia, até no humor, instrumento de diálogo capaz de relativizar as mais perigosas certezas. E também na extensão do conhecimento, imprescindível para perceber o caráter relativo de tudo. Referindo-se à realidade de Israel, Amos Oz defende que a rejeição do fanatismo apenas se obtém «absorvendo as sementes e os frutos das outras culturas», e ao mesmo tempo «espalhando o seu pólen por elas». Ou seja, compreendendo a diversidade e dialogando obrigatoriamente com a especificidade de cada grupo ou indivíduo. Afinal, aqui ou em qualquer outro lugar, o único modo de contrariar a paisagem de destruição, na qual «todos gritam e poucos escutam», que é imposta pelos fanáticos.
Fotografia: George Etheredge/The New York Times/East News
Publicado originalmente no Diário As Beiras de 6/10/2018