Nunca soube que coisa é sentir-me vencedor de uma eleição democrática. Em Portugal, a partir da votação para a Constituinte de 1975, jamais deixei de votar, mas sempre na qualidade prevista e confirmada de vencido. Nunca votei em partidos ou candidatos vencedores para as legislativas ou para as autárquicas. E mesmo em três eleições presidenciais nas quais em segunda volta dei o meu voto a quem acabou por vencer, tratou-se sempre de uma escolha de conveniência, por um mal menor, não de um gesto de absoluta convicção. Conheço, pois, e muito bem, o sabor da derrota. O pior de todos os amargores, aliás, esse nem ocorreu em ressaca pós-eleitoral: experimentei-o na manhã de 26 de Novembro de 1975, quando compreendi que, por muito tempo, a «festa, pá», da qual falou um dia Chico Buarque, tinha terminado. Já passou, mas ainda o recordo bem, tal foi nessa hora a sensação de desolação e desesperança.
Em qualquer caso, sei bem que nunca essa sensação de derrota correspondeu, nem por sombras, a algo que está neste momento a passar pela cabeça e pela pele de muitos dos brasileiros democratas que têm a exata consciência de que um pesado nevoeiro está a cair sobre as suas vidas. Não porque uma escolha política diferente da sua venceu umas eleições: nesses casos, sabemos disso também aqui em Portugal, há que reunir forças e continuar a lutar por aquilo em que acreditamos nos muitos espaços onde esse trabalho ainda continua a ser livre e possível. É esse o conforto da democracia e é nisso que reside a sua grandeza. Mesmo que a consideremos, como Winston Churchill, «o pior dos sistemas, salvo todos os outros».
No Brasil não é assim: não venceu um programa conservador ou de direita (pois não existe sequer projeto conhecido), não ganhou uma escolha legítima e consciente da maioria (quando não houve debate real, mas apenas manipulação), não chegou ao poder algo ou alguém com o qual seja possível dialogar de modo civilizado (o discurso e as promessas são só de violência e de ódio, não de diálogo ou esperança), não saiu vencedor uma pessoa que se possa combater respeitando-a (porque nada argumenta e a ninguém respeita). No Brasil, sabem isso os brasileiros democratas melhor que ninguém, venceu a ignorância, a manipulação, a apologia da desigualdade e a pura abjeção, e isso torna tudo bem mais difícil. Exige mais coragem, mais determinação, mais trabalho diário de debate, de organização e de convencimento. Mais autocrítica também, onde for necessária. Mas para isso existem milhões de brasileiros e de brasileiras bem capazes.
Muita força para todos/as eles/as!