Durante o Estado Novo, o passado de Portugal ensinado na primária – nas antigas terceira e quarta classes – era muitíssimo simplificado, embora contivesse uma pesada carga de ideologia. Os conteúdos eram apenas de natureza heróica, épica ou sagrada, e na forma tudo era limitado aos factos mais básicos, dispostos numa cronologia linear que seguia ano após ano a mera ordem das dinastias e dos reis. Terminava em 1910, naturalmente, e depois dava um salto até 1926 e à emergência de Salazar. A Primeira República desaparecia assim, apresentada, tal como os anos que se haviam seguido à Revolução de 1820, como a era «do gato e do rato». Uma permanente e insana balbúrdia que era preciso apagar.
O período de subordinação à coroa instalada em Madrid que decorreu entre 1580 e 1640 – legítima, aliás, à luz dos princípios de transmissão dinástica então em vigor – era chamado de «dinastia dos Filipes» e tratado, literalmente, em menos de um minuto. E só na Faculdade me apercebi de que, afinal, o «tempo dos Filipes» correspondeu a uma das fases mais dinâmicas da história portuguesa, sobretudo nos planos cultural, económico, militar e de gestão do Império. Tenho a certeza de que ainda hoje isto soará estranho a muitos portugueses, mas se têm dúvidas procurem informar-se, pois são relativamente fáceis de encontrar as obras sobre o período de Diogo Ramada Curto, Fernando Bouza Álvarez ou mesmo Joaquim Veríssimo Serrão.
A direita tem procurado disseminar a mesma imagem negativa a propósito do 25 de Abril, olhado como mero golpe militar, e do «biénio revolucionário», o PREC de 1974-1975, como uma era de anarquia, desatino e perseguições. Muitos dos seus partidários, sem conhecerem uma linha completa da história do período, divulgam essa imagem, na ignorância de que, tendo sido de facto um tempo conturbado – não existem revoluções sem conflitos – foi-o também de viragem, conquista de direitos, abertura cultural, dinâmica social, reconhecimento da inevitável descolonização e visibilização de Portugal no mundo. De preparação para a democracia que hoje somos e da qual se procuram servir.