O «problema» do feminismo é na realidade um falso problema. Porque o feminismo não é ideologia ou movimento uno, nem tendência sociológica inversa do machismo, que é uma patologia, mas antes um complexo de análises, de causas, de combates, de escolhas, de organizações, que no conjunto não só tem já no mínimo século e meio de existência, como são hoje cada vez mais plurais. Isto é: na realidade não existe feminismo, mas sim feminismos, tão amplas foram e são hoje a dimensão e a diversidade, por vezes (e felizmente) até contraditórias, dos combates pelos direitos das mulheres.
Todas e todos as/os feministas sabem isto, pelo que só quem se lhes opõe de um ponto de vista retrógrado ou quem a respeito deles é totalmente ignorante pode fazer generalizações a partir de casos pontuais ou de comportamentos de pequenos grupos. Embora esta incompreensão se possa encontrar até onde seria suposto não existir: conheço pessoas com formação superior, por vezes até da mais elevada, que têm dos feminismos sensivelmente a mesma perspetiva da pessoa mais ignorante sobre o tema ou sobre qualquer tema, aderindo acriticamente a clichés que, no seu caso, se de tal tivessem consciência deveriam ser objeto de vergonha.
Vem isto a propósito de um artigo que está a correr nas redes sociais que foi publicado no Observador. No fundo, mais um, onde a autora despeja todos os clichés possíveis sobre o que designa como «feminismo». Não vou deixar aqui o link (aliás, não é difícil encontrem o texto se se quiserem dar ao trabalho de o lerem), embora o considere notável, não só pela dimensão de estupidez da pessoa que o escreve, mas também, e principalmente, porque concentra em pouco espaço tudo o que de mais errado e caricatural é possível afirmar sobre os feminismos.
Inventário breve daquela prosa: o «feminismo» é uniforme, é contra a natureza essencial da mulher, é contra o amor e a ternura entre pessoas, é contra a maternidade e a família, as suas ativistas são promíscuas, não se lavam e vestem-se mal, tiram os empregos aos homens e metem-se em política quando deveriam estar em casa a preparar-se para ser boas esposas e mães. No fim a cereja no topo: o feminismo é a favor da paridade de direitos entre homens e mulheres, quando a «natureza» afirma a necessidade imperativa da desigualdade.
Na verdade é difícil agregar maior chorrilho de tolices e maior dose de burrice exposta a céu aberto, mas a síntese em questão tem a vantagem de reuni-las todas. A autora, uma tal Joana Rodrigues, nem se aperceberá de que, desta forma, a sua «argumentação» até pode ser usada como excelente propaganda feminista em debates. Só por isto, um obrigado a ela e aos cavalheiros e senhoras do Observador.
Publicado inicialmente no Facebook