O tema desta crónica não é novo, mas justifica uma atenção constante. O neurocientista António Damásio considerou recentemente que as redes sociais são «uma das mais espetaculares razões de declínio da qualidade de vida», afirmando que o acesso rápido e maciço a informação mal pensada representa hoje «um risco extraordinário». A esta declaração junto uma outra, mais conhecida, expressa por Umberto Eco numa das últimas entrevistas, observando que esses espaços de comunicação «dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que, antes destas plataformas, apenas discutiam nas tabernas, após um copo de vinho, sem prejudicar a colectividade». Para Eco, «o idiota da aldeia» ganhou assim o direito a ter voz pública, dizendo o que lhe ocorre e passando a «detentor da verdade», misturando os códigos acerca do bem e do mal, do verídico e do falso, do racional e do incoerente.
Devem, no entanto, distinguir-se as posições críticas de Damásio e de Eco de outras, como as de Pacheco Pereira e Sousa Tavares, que partem da constatação de um problema real para uma posição arbitrária e inútil de descarte das redes sociais. Bastante mais realista parece-me a posição de Francisco Louçã, ao caraterizar, no «Público», este espaço como «substituto de outros modos de relacionamento social, com efeitos porventura ainda pouco identificados quanto à alteração dos comportamentos». Funcionando como se de uma realidade paralela se tratasse, pois «para uma percentagem crescente da população, a rede social elimina o recurso a outras formas de informação e constitui uma referência permanente de distração e de ocupação». Está aqui o eixo do problema, sem dúvida, mas também a sua possível solução, que passa por um trabalho para que a sociabilidade e a cidadania não se reduzam, para muitas pessoas, quase apenas a esse circuito.
Na origem, a Internet e depois as redes sociais surgiram como espaços de informação e de democracia com grandes potencialidades, e ademais muito acessíveis, que colocavam ao dispor do cidadão comum, em qualquer parte do mundo, formas de conhecimento e de comunicação nunca antes experimentadas. Esta foi e permanece uma conquista importante, e é absurdo propor como ideal o seu desaparecimento, como parecem fazer Tavares e Pereira em relação a espaços como o Facebook, o Twitter, o Instagram ou a Whatsapp. Eliminá-los, ou a outros que os possam vir a substituir – o que será inevitável, dentro deste universo no qual cada comunidade e cada aplicação acabam por ser substituídas por outras que oferecem uma nova tecnologia – seria, para além de impossível, uma enorme regressão na comunicação ágil e plural.
Que fazer, então? A solução passará por três vias. Em primeiro lugar, por mecanismos jurídicos de responsabilização, não no sentido da censura, mas no de cada utilizador saber que, ali como na vida física, não pode mentir e caluniar sem ser por isso penalizado. Em segundo lugar, promovendo a qualidade e a aferição do conhecimento e da informação nos diversos meios, com um investimento público no desenvolvimento de redes credíveis e de qualidade, capazes de proteger quem as utilizae e a sociedade no seu todo. Rejeitar este esforço, deixando as redes sociais entregues aos criminosos e aos tolos, será sempre a pior solução, uma vez que a mentira, a manipulação e o ódio ficariam sem contraditório, nas mãos daqueles que as sabem utilizar em proveito próprio, influenciando milhões de pessoas. Em terceiro lugar, ampliando os espaços e os instrumentos da cidadania, do lazer e das práticas culturais, assim permitindo aos indivíduos e às comunidades que deixem de tomar as redes sociais como lugar praticamente único de livre contacto social e de fuga à solidão.
As redes sociais não são apenas aquele lugar sórdido que alguns projetam. Jamais serão também o espaço utópico de socialização e democracia que outros um dia idealizaram. Serão algo melhor e mais útil quando forem territórios de comunicação normalizados, ao serviço do bem-estar e da relação interpessoal, deixando de ser espaços insalubres de uma realidade paralela.
Rui Bebiano
Fotografia: Kizuki TamuraPublicado originalmente no Diário As Beiras de 15/6/2019