Os resultados das eleições não foram surpreendentes. O PS ganhou como se esperava, ainda que sem a maioria absoluta que pretendia; o PSD teve uma descida menor do que aquela que se aguardava, em boa parte graças ao eleitorado fiel e aos ataques personalizados ao PS conduzidos nas últimas semanas; o Bloco de Esquerda manteve a sua importância central, se bem que sem a subida com a qual se contava; o PCP continua a descer, embora não tanto quanto se previa (já os «Verdes», esses evaporaram-se); o CDS caiu até ao limite, embora dentro do previsto; o PAN continua a subir num processo de apropriação de causas que não domina. E depois há os «pequenos partidos», aos quais a presença no Parlamento poderá permitir crescer.
Começando por aqui. O Chega leva a extrema-direita pela primeira vez para a Assembleia da República e nada garante que não seja o início de um percurso de expansão: o deputado eleito é muito mau, mas apoia-se num discurso primário que pode facilmente encontrar eco entre muitos abstencionaistas (para além dos perto de 67.000 votos que já teve). Urge desde o primeiro momento denunciar com veemência e pedagogia as propostas miseráveis que rapidamente tentará fazer. Já a Iniciativa Liberal, é um partido misógino de «patos bravos» neoliberais que pode também capitalizar algum descontentamento, inclusive de setores que votavam PSD ou CDS, ciosos de «algo novo». Não será boa ideia brincar muito com o semblante alucinado e o discurso de «tipo normal» do seu líder.
O Livre obteve o resultado que já deveria ter alcançado em 2015, quando, numa proposta eleitoral que integrava muitos independentes – fui um destes, então 3º candidato por Coimbra – avançou a proposta de uma federação das esquerdas para fazer recuar a direita. Aquilo que depois tomou a forma da Geringonça. A presença na AR – para mais através da voz de uma mulher corajosa, que por várias razões irá marcar a diferença – deverá permitir ao partido desenvolver a sua organização, linha política e visibilidade pública, acrescentando esquerda à esquerda. Estou curioso para ver as suas posições sobre política externa, que nos primeiros anos do Livre foram uma das principais originalidades, mas que nestas eleições não tiveram grande presença.
Sobre o o PSD e o CDS pouco tenho a dizer. O primeiro susteve a grande queda que se previa e isto reforçará a direção «tecnocrática» de Rui Rio, enquanto o segundo, dado o tombo que levou e o aparecimento de outras forças no horizonte, presumivelmente entrará num processo de recomposição e de radicalização à direita que ainda fará alguns suspirar pela «moderação» de Assunção Cristas. Já em relação ao PAN inverter-se-á, pelo menos assim o espero, o conhecido ditado popular: ver-se-á em pouco tempo que «são mais as vozes do que as nozes».
O Partido Socialista – que obviamente foi premiado por quatro anos de gestão globalmente positiva da coisa pública, invertendo a desgraça dos anos de de Passos/Portas – teve a sorte, a meu ver, de não alcançar a maioria absoluta. Esta iria devolver um poder imenso ao «PS dos negócios e das influências» que de socialista pouco tem e que, com a Geringonça e a chegada ao poder de António Costa, se viu limitado no exercício do arbítrio que manteve durante décadas. Talvez a nova situação permita a continuidade de uma abertura e de uma colaboração à esquerda que, lentamente, irá também – admito que isto seja um pouco de ‘wishful thinking’ da minha parte, veremos – alterar a relação de forças dentro do próprio Partido.
Quanto ao PCP, a continuação do recuo poderia promover alguma reflexão, embora não acredite que ela se faça a curto prazo. É preciso esclarecer um erro de análise: ao contrário das críticas de Costa, se é verdade que o BE poderia ser mais «imprevisível» no funcionamento da Geringonça, foi sempre mais transparente que o PCP nesse domínio. Este poderia, nas conversações, ser menos «problemático», mas quem sabe da atividade do partido fora desse espaço de debate interpartidário – nos sindicatos, nas empresas, nas organizações de juventude, nos blogues e redes sociais – sabe que aqui sempre mostrou total falta de solidariedade para com o PS, equiparado ao PSD. O PCP terá pago agora por esta duplicidade, como pagou por escolhas como as que manteve em relação à Venezuela, a Angola, à Coreia do Norte, à China, à União Europeia, à eutanásia, às touradas e a outros temas e causas aos quais muitos eleitores são sensíveis. A promessa de Jerónimo de que desta vez não haverá «papel passado» não augura uma mudança real. Talvez só a de alguns rostos.
Deixo para o fim o Bloco de Esquerda, que apoiei nesta eleições e se esperava pudesse subir um pouco mais. Se é verdade que do ponto de vista dos votos expressos não cresceu, no plano político a campanha do BE foi bastante positiva, com bons candidatos que anunciam uma intervenção combativa, inovadora e construtiva na AR. O seu grupo parlamentar será agora, com toda a certeza, um fiel determinante para a continuidade de iniciativas políticas progressistas e para a defesa de medidas que, sem a sua intervenção, o governo do PS jamais tomará. Continua a faltar-lhe alguma substância orgânica e ao nível da implantação no terreno, mas esse é caminho que se faz caminhando.
Mas para umas simples «notas e impressões» este texto já vai demasiado longo.