Quando se fala da vida de certos artistas ou escritores, mantém-se o costume antigo de embelezar o triste e o deplorável. Vemos marcas dos trajetos desses homens ou mulheres, comuns às de tanta outra gente, por onde passa o abandono, a infelicidade, a miséria, a doença, a depressão, como pagamento de um destino que lhes concede a admiração temporária ou póstuma. Nesses momentos, os traços que em outras pessoas são marca de rejeição, codificam uma maldição que agora as torna admiradas dos comuns e lhes assegura lugar num anel superior.
Nasceu nos ambientes do intenso mundo romântico essa admiração sem freio pela grandeza da infelicidade, observada como destino dos eleitos que habitam húmidas mansardas e morrem cedo. Periodicamente reencontramo-la em documentários, palestras ou suplementos literários, onde, por algum tempo, geralmente bem pouco, as vidas infelizes e solitárias são expostas à admiração do vulgo. É, porém, a sua idealização que conta, não as pessoas reais fora desse foco momentâneo. Por isso me custa sempre olhar as tristes hagiografias escritas post-mortem.
Pintura: O Pobre Poeta, de Carl Spitzweg, 1839