Rejeito de todo a conversa dos setores que, principalmente à esquerda do espectro político, desde sempre desvalorizam, ou contestam mesmo de forma bastante violenta, o que se chama de «luta radical». Falo do campo do combate social, protagonizado geralmente por minorias, que aponta para metas de natureza utópica e desenvolve práticas mais extremas, situadas muito acima do estado médio de consciência do cidadão comum. Não o faço por ter passado uma parte importante da minha vida profundamente imerso nesse território social, pois, apesar de hoje ter dele uma perspetiva crítica, de modo algum enjeito o género de experiência, em regra intenso e indelével, que representa.
Ela correspondeu ao que honestamente me parecia então ser o melhor para todos. Ensinou-me imenso sobre relações humanas e sobre retórica, oferecendo-me ainda a perceção clara de que, em determinados estádios do combate social, é imprescindível haver quem se coloque alguns passos adiante dos outros, abrindo perspetivas e apontando metas que depois serão depuradas e transformadas em iniciativas realizáveis. O papel das vanguardas é mesmo esse, o de ir adiante, ensaiando, rasgando o caminho, e um dos grandes dramas históricos do socialismo está ligado ao momento em que algumas delas se cristalizaram no exercício cego e autocrático do poder, logo tornado retrógrado.
O drama sobrevém quando elas se tornam autofágicas, funcionando como campo para dois tipos de perversão interrelacionados. O primeiro tipo, quando determinam em quem nelas participa a perceção de o seu pequeno grupo ser simultaneamente o único esclarecido e com pleno acesso à verdade e à razão, impondo um estado de dissociação da realidade que a quem nelas participa faz perder a visão panorâmica. Prejudicando-as mesmo enquanto pessoas, fazendo com que se sintam acossadas por verdades que recusam olhar a partir do seu estádio «avançado». Aquele onde o amor imenso pela humanidade e o elevado grau de consciência da História conduzem a uma vida solitária fechada no pequeno grupo.
O segundo tipo associa-se à ideia de que essa radicalidade se deve traduzir, verbal e mimeticamente, num discurso agressivo, sem tréguas, contra todos aqueles que, mesmo situados em campos próximos, não pensam e agem rigorosamente como ela. Invariavelmente reduzidos, esses grupos são hiperativos e fazem sempre mais ruído que os outros, muitas vezes numa lógica de muito barulho para nada que acaba invariavelmente por se voltar contra o avanço das próprias causas que os movem. Por isso tantas pessoas passam por essa forma de militância de modo ocasional, caindo no desalento e abandonando-a ao fim de poucos anos. A verdadeira radicalidade, essa reside no ponto de equilíbrio entre o estado de consciência avançado e a perceção da complexidade dos indivíduos e do mundo.