Ao fim de três semanas a olhar o próprio rosto nos vídeos das aulas que tenho andado a gravar, comecei a detetar algumas alterações. Primeiro um preenchimento excessivo do espaço visível, resultante do quase inevitável acréscimo de peso, mas pouco depois algo pior. Passei a notar uma tensão, um congestionamento, mesmo um olhar que não conhecia em mim. Sabemos como em momentos de tensão isto pode acontecer. Falando da sua memória do limite dos limites, em ‘Se isto é um homem’ Primo Levi contou como ao fim de apenas dois dias em Auschwitz, vendo por acaso o seu rosto refletido numa vidraça, foi incapaz de se reconhecer.
Reparo agora nas pessoas que conhecia antes destes dias e com quem vou deparando nos escassos locais onde agora me desloco – aquelas que vejo na televisão não contam, pois estão profundamente maquilhadas – e observo como o seu rosto tem vindo a mudar, quase sempre para pior. Nota-se sobretudo uma tristeza, visível por baixo dos sorrisos de cortesia. Isto não é prenúncio de nada de bom e é por isso que vou passar a atender mais à evolução próxima futura do meu rosto. Bem sei que existem agora muito mais cosméticos para homem, e até uso alguns com regularidade, mas o principal esforço será o de tentar conservar a chama que pode vir de dentro.
Fot. dos anos 20 de arquivo policial australiano / Matt Loughrey / Sydney Living Museum