No último 22 de Abril perfizeram-se 150 anos sobre o nascimento de Vladimir Ilyich Ulianov, Lenine (1870-1924). O seu papel na história do marxismo, dos ideais socialistas e da experiência vitoriosa da Revolução soviética de 1917 é crucial. A sua capacidade, independentemente das críticas que possam ser feitas aos métodos utilizados, para tornar real uma utopia revolucionária e um modelo de transformação da história que vinha sendo derrotado década após década, foi sem dúvida extraordinária. Todavia, para fazermos verdadeiramente justiça à sua capacidade e ao seu importante papel, devemos olhá-lo em primeiro lugar na sua dimensão humana e no contexto histórico em que afirmou a sua liderança revolucionária, não como a figura mitificada e marmórea na qual a dada altura foi transformado. Relembre-se apenas que o conceito de «leninismo» foi uma invenção de Estaline, principal responsável pela simplificação do seu pensamento e pela sua transformação em dogma. Lenine foi um revolucionário, sem dúvida, mas não um santo ou um mágico.
No meu livro Labirinto de Outubro. Cem Anos de Revolução e Dissidência (Edições 70), que acaba de sair, perto de duas dezenas das 360 páginas são dedicadas ao seu importantíssimo papel. Transcrevo apenas um parágrafo (págs. 94-95):
«Em múltiplas histórias do comunismo e dos ideais socialistas a personalidade e a obra de Lenine surgem quase sempre tratadas de uma forma generosa, ou pelo menos muito pouco crítica, quando não contaminada pela propaganda, e por isso bastante mitificada. Consequentemente, muitas vezes colocada na aparência acima do humano. Por todo o mundo, milhões de pessoas – incluindo-se as que que admitem sem grande dificuldade a crítica parcial ou plena das práticas posteriores de Estaline – continuam a reverenciá-lo como um idealista que acreditava na liberdade e na justiça como algo que deveria ser posto ao dispor do homem comum. Quando muito, aceitam-no como um dirigente que controlou com mão pesada uma situação revolucionária, inevitavelmente conflituosa, e que requeria essa atitude para que pudesse ser conduzida a bom termo. A forma de escapar a esta leitura unilateral e geralmente pouco crítica é, de facto, observar algumas das diretivas e das medidas pelas quais foi, logo a seguir a Outubro de 1917, o primeiro responsável, incluindo a instauração da primeira fase do “terror revolucionário”. Elas devem ser confrontadas com as circunstâncias, sem dúvida bastante complexas e difíceis, que a dado momento as determinaram.»
Rui Bebiano
Imagem: Fotografia de 1920, na qual se pode ver Lenine, então chefe do Governo soviético e do Partido bolchevique, ao lado de Trotsky, na altura principal responsável pelo Exército Vermelho e membro do Politburo.