Em Dezembro de 1981, quando, ainda jovem recém-licenciado em História, comecei a dar aulas como assistente estagiário na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, contou-me o à época meu orientador, o professor Luís Reis Torgal, que quando escolheu o seu objeto da tese de doutoramento – intitulada «Ideologia política e teoria do Estado na Restauração» – foi aconselhado a não o fazer por este versar um «tema político» e uma época considerada por alguns professores mais conservadores como «demasiado recente». Parece impossível, mas até à era marcelista a história ali ensinada terminava em regra nos «Descobrimentos», e eu ainda cheguei a conhecer o docente da FLUC que, pela primeira vez, e já depois do 25 de Abril, abordou em aulas regulares esse tema ousado e supostamente atualíssimo que foi (era) a Revolução Francesa de 1789.
De facto, a Restauração da Independência – ocorrida a 1 de dezembro de 1640 quando os fidalgos conjurados foram ao Paço matar e atirar pela janela o secretário de Estado Miguel de Vasconcelos e Brito e aprisionar a duquesa de Mântua, proclamando rei o duque de Bragança – fora, ao longo do Estado Novo, erradamente referida nos manuais escolares como uma «Revolução» nacional e um distante prelúdio do que seria perto de 300 anos depois a chegada ao poder de Salazar. Após o 25 de Abril, a data passou a ser usada pela então reduzidíssima extrema-direita nacionalista como símbolo de uma «grandeza perdida» da pátria. E em 2012, em nome da direita, foi abolida como feriado por Passos Coelho, por não ser considerada boa ocasião para passeio e repouso das famílias. Um exemplo, aliás, de como nem os acontecimentos mais «objetivos» da História podem ser vistos como indiscutíveis e imutáveis.
Gravura: Impressão de Wenceslaus Hollar, c. 1640-1644, British Museum.