Foi em 8 de dezembro de 1854 – há 166 anos, e não «há sete séculos», como hoje pude ler, embora na altura tenham sido invocadas referências bíblicas e dos primeiros textos da Patrística como justificativas para a decisão – que na bula Ineffabilis Deus o papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição. Basicamente, este dogma considera a concepção da Virgem Maria, «cheia de Graça», como ocorrida sem a mácula do pecado original, na qualidade de um sinal da intervenção da providência divina e de precaução para preparar, através de uma linhagem que fosse pura, a vinda de Cristo.
Aquilo que muitos historiadores sabem, mas nem sempre é comentado em público, é que Giovanni Maria Mastai-Ferretti, papa como Pio IX entre 1846 e 1878, um dos mais retrógrados da história da Igreja católica – responsável também pela condenação formal do naturalismo, do racionalismo, do socialismo, do comunismo, da franco-maçonaria e do judaísmo (encíclica Syllabus errorum, de 1864), e ainda por ter proclamado em 1870 o dogma da infalibilidade papal – o fez em defesa do caráter providencial da intervenção divina e para se opor ao progresso das ideias liberais, posterior aos acontecimentos revolucionários de 1848, e à influência crescente do pensamento científico e progressista no mundo do seu tempo.
Que não seja por isto, todavia, que se vá agora retirar o gozo público desta «dia santo». Desta vez vivido nas circunstâncias de uma terrível pandemia, por certo não resultante de intervenção da divina Providência e que a ciência não só explica como se está a esforçar por contrariar.