Perdi a fé – falo dessa forma de adesão incondicional a uma verdade não demonstrável considerada inquestionável e estabelecida para todo o sempre – por duas vezes na vida. Sou capaz de datar os momentos em que isso aconteceu, mas prefiro indicar a idade que tinha nessa altura.
A primeira vez acabava de fazer catorze e tratou-se da perda de fé nos dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana, na sua doutrina e nas suas liturgias. Uma perda que chegou com as minhas primeiras dúvidas sobre o caráter indiscutível de todas as certezas e foi fechada quando tudo aquilo que escutava nas cerimónias religiosas passou a afigurar-se um conjunto de monótonas vacuidades sem qualquer beleza ou capacidade de mobilização. Com essa perda veio também, algum tempo depois, uma outra, que foi a da crença na existência provável de um Deus único e superior, capaz de sobrepor a sua vontade à dos seres humanos.
A segunda vez foi pelos vinte e cinco, quando deixei de acreditar no marxismo-leninismo como «doutrina sempre jovem e científica», farol da transformação do mundo e esperança dos povos, no materialismo histórico como guia para o trajeto da humanidade através dos tempos, e no materialismo dialético como pedra de toque de uma perspetiva científica e infalível para o governo das nações e para a gestão da mudança. Foi um primeiro passo para me abrir à diversidade do pensamento humano e ao caráter inaceitável de um destino histórico previsível. Continuei a valorizar a crítica do capitalismo, mas deixei de a ver como sinal de um destino certo, seguro e imaginável.
Foi nesta dupla condição que passei a olhar o nascimento de Cristo, ou a tomada do Palácio de Inverno, acima de tudo como sinais, como momentos, agregadores da infinita vontade humana de sinalizar a esperança e do desejo coletivo de uma vida melhor. Por isso, mesmo não sendo homem de fé, vos desejo a todos e a todas, crentes ou não, um Bom Natal e um ano de 2021 bem melhor do que este, bem triste, que está a terminar. Se preferirem, umas Boas Festas.