Fora dos Estados que vivem sob regimes tirânicos, onde pensar e falar de forma livre é considerado crime, nas últimas décadas a valorização da opinião tem sido constante. Porém, tem ocorrido também uma perigosa degradação do conceito. O que tem ampliado o seu impacto é sobretudo a expansão da educação dos cidadãos, que sempre permite uma maior agilidade do pensamento e da expressão individual, bem como o alargamento dos direitos, entre estes o direito à palavra. Em sentido contrário, o efeito provocado pela ilimitada explosão da comunicação interpessoal, em particular aquela que passa pelo uso da Internet e das redes sociais, tem estimulado a sua desvalorização.
Quando falamos de opinião, falamos, na verdade, de realidades diversas, uma vez que tanto podemos referir-nos a uma forma própria de ver, de pensar ou de julgar, obtida através da reflexão e do esforço pessoal, quanto a um ponto de vista verbalizado perante os outros e destinado a convencê-los. Uma experiência que requer sempre fundamentação, empenho e compromisso, afirmando-se, por este motivo, com alguma consistência. É nela que radica a chamada «opinião pública», projetada a partir século XIX com o crescimento da escolaridade e da intervenção exemplar dos intelectuais, dos criadores e dos políticos com sentido do serviço público. Todavia, passamos a um domínio completamente diferente quando encaramos o que designamos «opinião» como expressão de uma hipótese, de uma ideia defendida a partir de meras impressões ou como um mero capricho.
É aqui que nos encontramos com a dimensão por vezes negativa e questionável do conceito de opinião, que faz equivaler o que é coerente e fundado ao que resulta de uma escolha subjetiva e não provada. Nos últimos tempos, escutamos com frequência o uso da formulação «é a minha opinião» para colocar no mesmo plano leituras opostas ou de um valor muitíssimo diferente. Exemplo que se encontra com frequência diz respeito à formulação de teses negacionistas sobre o Holocausto e sobre o Gulag, à desvalorização do seu legado memorial ou à forma como se ignora o conhecimento histórico que observa e interpreta os grandes sistemas concentracionários do século XX. Um outro exemplo é a rápida disseminação, a partir de afirmações incoerentes, mas repetidas até à exaustão, de perigosas teorias da conspiração. Neste sentido, é possível apresentar formas de banalização de crimes hediondos ou ataques declarados aos regimes democráticos como lícita «opinião».
O problema reside na forma como o défice de conhecimento da realidade, a passada ou a presente, tende a fazer passar seja o que for por igual, dotado do mesmo grau de certeza, valor e legitimidade. Nesta medida, é tudo «igual ao litro», inclusive a defesa de escolhas e atitudes políticas que, de um ponto de vista racional, num estado democrático e de direito devem ser interpretadas como criminosas, jamais como «opiniões». Quando, na passada quarta-feira, pudemos ver as imagens impensáveis da invasão do edifício do Capitólio, em Washington, D.C., por aquela horda de escória humana apoiante de Trump, estimulada pelo discurso irresponsável e delirante a que este deu notoriedade e convicta de que estava cheia de razão, percebemos o quão perigoso é tomar qualquer tipo de afirmação, por mais gratuita que seja, por legítima «opinião». Junto dos ignorantes e dos fanáticos, ela é facilmente transformada em convicção.
Rui Bebiano
Fotografia: John Minchillo/APVersão revista do artigo publicado no Diário As Beiras de 9/1/2021