Desde que sou capaz de me recordar de interpretar as relações com os outros, sempre detestei que me «dessem conselhos». Ou, em sentido inverso, de ser eu a dá-los. Quando sinto que, por distração, tique ou cansaço, o estou a fazer, tento logo moderar o tom e mostrar que o que digo é apenas uma possibilidade, de modo algum algo de absolutamente certo e definitivo. Isto nada tem a ver com aprender com os outros, com a própria experiência, com a partilha de ideias, com a hipótese de mudar uma posição por influência alheia e com a necessidade de saber sempre mais. Tendo nascido e sido criado durante o Estado Novo, foi tempo demais a receber «conselhos», apresentados, aliás, como normas.
Sendo professor há mais de quatro décadas, é óbvio que só posso valorizar a transmissão de conhecimento e de experiência – além, mais importante ainda, de capacidade crítica -, ao mesmo tempo que continuo a recebê-los todos os dias, mesmo de alunos. É que, ao contrário do que por vezes se afirma, até os burros aprendem. «Aprender até morrer», como proclama o ditado, e desde logo com os outros. Porém, jamais com conselhos do tipo «você faça assim», «um dia a vida irá ensiná-lo», «não vá por aí», «tenha juízo», «aprenda que eu não duro sempre», e outros registos de idêntica pesporrência, como naqueles momentos em que nos «ensinam» algo sobre temas que já debatemos, sobre os quais já lemos muito (ou até escrevemos), ou pelos quais já há longo tempo passámos, fazendo uma escolha fundada justamente na experiência.
Pois foi preciso aparecer a Internet, e mais recentemente as redes sociais, para deparar de novo, praticamente todos os dias, com incomodativos casos dessa natureza. «Conselheiros», tantas vezes sem metade do nosso percurso de vida ou da nossa formação, que por vezes nem entendem sentidos implícitos no que dizemos ou escrevemos, que nos querem «explicar», ou informar, como se deve agir e pensar. Fazendo-o, naturalmente, da forma única como eles pensam e que consideram a única correta. Na verdade, não se trata de «conselhos», mas de doses adulteradas e enfatuadas de moralismo, que acabam por se tornar bastante ridículas aos olhos de quem as recebe. Porém, «ouça lá», eles insistem, pois não aprendem.
Publicado originalmente no Facebook